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Festivais

8. Olhar (2019) – curta pernambucano + 2 longas

“Caranguejo Rei” abala estruturas de salas de cinema e “Tela Viv em Chamas” nos faz rir com algo sério.

Por Luiz Joaquim | 11.06.2019 (terça-feira)

– na foto, cena de Caranguejo Rei

CURITIBA (PR) – Uma coisa é certa sobre o curta-metragem Caranguejo rei. Seus diretores Enock Carvalho e Matheus Farias fizeram um filme para ver numa sala de cinema. Isto, por si só já é um elogio. No caso, e particularmente, todo o trabalho de som do filme – com Lucas Caminha assinando o som direto, e Nicolau Domingues cuidando da edição e mixagem – tem grande responsabilidade sobre isso.

Na verdade, o filme de 23 minutos que ganhou sua primeira exibição pública aqui, em competição, no 8o Olhar de Cinema: Festival Internacional de Curitiba, conquista por uma combinação afinada entre o trabalho no som, na fotografia de Maira Iabrudi (em cinemascope) e na direção de arte de Iomana Rocha, com caracterização de Tayce Vale, para contar mais uma boa história do gênero fantástico que vem de Pernambuco.

Tavinho Teixeira protagoniza aqui como Eduardo, um empresário de uma construtora no Recife que se vê em apuros ao se dar conta de que seu novo empreendimento milionário, recém-levantado sobre o mangue, precisa enfrentar um problema inusitado: o surgimento de centenas de caranguejos que primeiro infestam o imóvel e depois invadem a cidade. Ao mesmo tempo, Eduardo começa a perceber mudanças no seu próprio corpo.

Caranguejo rei é um belo exemplo de trabalho cinematográfico que aproveita um dos temas mais explorados pela cinematografia pernambucana nos últimos 11 anos – a desordenação e abuso da ocupação urbana recifense. O curta faz isto criando um universo próprio, no campo do fantástico.

Neste projeto, vinculado ao ‘cinema de gênero’, filiações clássicas (A mosca, de David Cronemberg) e recentes (Um ramo, de Juliana Rojas e Marco Dutra) – só para citar duas – não podem deixar de ser observadas. De toda forma, Caranguejo rei é o tipo de trabalho que funciona não apenas bem como provocador de excitação cinematográfica, mas também como ferramenta de reflexão.

Bom também conferir que a dupla de realizadores avançou aqui na habilidade de criar clima e tensão – incluindo aí a paisagem recifense e o mangue fotografado à noite (algo difícil) como um elemento forte na personalidade do trabalho. Agora é aguardar o primeiro longa-metragem dirigido por Enock e Matheus, já em gestação.

TELA VIV EM CHAMAS – Na primeira exibição, ontem (10), de Tela Viv em chamas (Tela Viv On Fire, Lux/Fra/Isr./Bel., 2019), de Sameh Zoabi, aqui no 8o Olhar de Cinema, um dos programadores do festival Aaron Cutler destacou que num mundo em que há tanta coisa ruim acontecendo, o mínimo de se pode fazer, uma vez na vida, é uma comédia.

Cena de “Tela Viv em Chamas”

O humor, por si só, é algo sofisticado. Elemento próprio dos bem-dotados de inteligência. Criar uma obra cômica de qualidade, então, é para poucos. Criar uma comédia que estimula a reflexão política é cria ainda mais restrita, e Zoabi se encontra neste último grupo.

O conflito político-religioso entre israelenses e palestinos já foi muito bem comentado pelo cinema, seja no formato documental ou dramatizado. Elia Suleiman talvez seja um dos expoentes mais rapidamente lembrados (com o devido mérito) nesse campo.

Mais escancarado que as sutilezas irônicas colocadas por Suleiman, Zoabi se apropriou em seu filme de um subterfúgio, o de usar uma soup opera – ou, para nós brasileiros, tendo como melhor referência, uma espécie de telenovela – para instigar o espectador a pensar no quão radicais podem ser os argumentos de cada um dos lados envolvidos quando uma história humana (no caso, de amor) se interpõem no meio daquele contexto. Mais do que isso, o quanto a arte precisa ser esguia para construir um argumento quando a mesma se vê submetida a convicções que podem provocar mortes.

A telenovela Tela Viv em chamas é um sucesso de audiência nos dois lados da região, dividida e vistoriadas por um posto de controle. É neste posto que o oficial israelense Assi (Yaniv Biton) certo dia interroga o protagonista Salam (o ótimo Kais Nashif) sobre o seu trabalho de roteirista.

Salem mora em Jerusalém com a mãe e, entre tentar reconquistar a namorada Tala (Lubna Azabal), que reside na mesma cidade, e trabalhar em Ramallah (cidade no lado palestino) ajudando seu tio, criador da telenovela, o nosso herói precisa convencer o mais radical fã de Tela Viv em chamas – o militar Assi – sobre o fato de que o programa é só um entretenimento sem consequência. Ao longo do processo, e após um monte de aperto cômico, próprios de um romântico atrapalhado, Salam descobre que nada pode ser inconsequente quando valores históricos políticos e religiosos estão em jogo, incluindo aí um produto criativo de massa.

Se o leitor ainda não percebeu a inteligência de Tela Viv em chamas, pode tentar imaginar uma telenovela brasileira em que (guardando as proporções bélicas) um personagem de convicta inclinação política de esquerda esteja apaixonado por outro personagem de extrema-direita. Qual o final possível para este romance? E por que ele seria improvável e impossível? Seria?

A solução de Tela Viv em chamas, o filme, está na vaidade humana. É uma aposta acertadíssima, uma vez que ela, a vaidade em si, ressalta o cômico e o estúpido que há em todos nós.

DE NOVO OUTRA VEZ – Romina Paula é uma reconhecida atriz argentina que debuta na direção de um longa-metragem. Chama-se De novo outro vez (De Nuevo Outra Vez, Arg. 2019), e exibiu ontem por aqui.

Romina e Ramon  em “De Novo Outra Vez”

Híbrido de registro documental com elementos ficcionalizados, o filme olha para si mesmo – ou melhor, para as inconstâncias emocionais na vida da própria diretora/protagonista – para atingir a todas as mães de primeira viagem; particularmente aquelas na meia-idade.

Romina completou 40 anos, voltou a morar temporariamente com a mãe em Buenos Aires, para onde levou também o filhote; o pequeno Ramon, de 3 anos de idade. Tal temporada na casa da mãe, Romina não a reconhece como uma pequena férias do marido Javier (Esteban Bigliardi), com quem morava em Córdoba; e nem como uma separação definitiva.

Enquanto reflete com a melhor amiga sobre a sua condição psicológica e a encruzilhada em que ela própria se meteu (e por consequência, seu filho também), Romina experimenta novas aproximações com o sexo masculino e também feminino.

Entre as diversas e nunca conclusivas introspecções da protgonista/diretora, De novo outra vez parece não levar o espectador a lugar nenhum, ou melhor, levar a um lugar onde já se sabe o que encontraremos. A trajetória de Romina soa como apenas mais uma trajetória pela qual algumas espectadoras poderão se identificar com muito consistência (mães recentes, mas nem todas) e outras não. Ao final, fica a sensação de que a estrutura do filme de estreia de Romina é mais matemático do que gostaria de reconhecer.

* Viagem a convite do festival

 

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