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O cinema de Alex Viany

A 1ª crítica de Celso Marconi (assinando como ‘João do Cine’, em 1954), com uma reflexão sobre Alex Viany

Por Luiz Joaquim | 07.03.2021 (domingo)

Em 2024, Celso Marconi completará 70 anos de atividade como crítico cinematográfico ainda em atividade. Será alguma recorde? Não importa. Importa a vivacidade com a qual Celso, hoje com 90 anos de idade, ainda faz sua análises e comentários sobre o cinema e a arte de um modo geral nas redes sociais.

Na última segunda-feira (1º de março), Celso publicou em sua conta no Facebook alguma palavras sobre a obra de Alex Viany (1918-1992) – crítico e cineasta que foi fundamental para o surgimento de um moderno cinema brasileiro.

Em sua trajetória profissional, Celso conheceu Viany pessoalmente em 1965, e teve o essencial primeiro longa-metragem do realizador – Agulha no palheiro (1953) – como o ponto de partida de seu percurso como crítica de cinema, à época assinando sob o pseudônimo de ‘João do Cine’ no extinto Folha do povo, no Recife, em maio de 1954.

Com a anuência de Celso Marconi, publicamos, abaixo, o seu recente texto no qual faz um resgate do percurso de Viany como cineasta e, mais abaixo, as primeiras palavras do crítico ‘João do Cine’ publicadas num jornal, há 67 anos.

— XX —

– texto de Celso Marconi originalmente publicado em sua página no Facebook em 1º de março de 2021.

Nos anos 1950 Alex Viany foi no Brasil um dos mais importantes críticos de cinema com atuação no Rio de Janeiro. E além de ser excelente crítico fez cinema como profissional de excelente qualidade. Conheci Alex Viany pessoalmente durante o 1º Festival Internacional de Cinema acontecido no Rio em 1965 do qual participei junto com Fernando Spencer. Mas já conhecia bastante o seu trabalho. Um crítico que olhava o cinema e o mundo com uma visão marxista. Como jornalista foi correspondente nos Estados Unidos. Seu nome verdadeiro era Almiro Viviani Fialho.

Em 1979 Alex Viany realizou o documentário Humberto Mauro – Eu coração dou bom e conseguiu registrar com esse filme a presença de um cineasta realmente excepcional. Ele fez uma entrevista com Humberto Mauro – que nesse ano tinha 81 anos – e o cineasta conseguiu se expressar num sentido que deixou bem claro o valor dele como um grande criador cinematográfico. E Humberto Mauro atuou não só como diretor mas também em vários outros setores do cinema fazendo papéis de ator e também como administrador na área de cinema educativo.

Alex Viany e Humberto Mauro (final dos 1970s)

Mas o importante é que Viany utilizou com precisão momentos de filmes feitos por Mauro. E destacou as trilhas musicais que ele usou para acompanhar seus filmes. E fica bem claro o conceito filosófico que Humberto Mauro tinha acerca da importância do cinema para o país. Considerando dos anos 1950 para trás, sem dúvida Humberto Mauro foi uma das principais figuras do cinema brasileiro. Um momento a se destacar nesse documentário é os vários minutos em que se encaixa o curta famoso A velha a fiar.

Em 1954 Alex Viany dirigiu o longa Rua sem sol um filme que teve uma produção com razoáveis recursos e foi o primeiro longa da empresa Cinedistri. No elenco fazendo o papel central temos a atriz Glauce Rocha e como segundo personagem feminino a cantora Doris Monteiro que fez grande sucesso nos anos 1950.

Glauce era atriz de teatro e depois participou do filme de Glauber Rocha Terra em transe. Apesar de ser cantora Doris Monteiro muito jovem fez uma cega que dependia de sua irmã Marta (Glauce) com bastante naturalidade e verdade. Apesar de ser marxista e ligado ao Partido Comunista Brasileiro, Viany viveu muitos anos nos Estados Unidos e esse filme mostra que suas influências são realmente do cinema norte-americano. Não se sente nada de uma possível presença da forma de fazer cinema na época dos italianos.

Rua sem sol tem a cara de um cinema ‘noir’ onde o drama social vem da trama psicológica mas do que da construção social. Ângela Maria que já era uma cantora de grande fama faz a interpretação de duas canções. E nesse sentido Viany não foge ao que era costume nos filmes dos anos 1940 e 1950.

No set de “Sol Sobre a Lama”

Outro filme de Alex Viany que está disponível no site Making Off é Sol sobre a lama uma realização de 1963 e que eu não pude rever pois que o filme baixou com defeito no som. Mas me recordo um pouco do que vi há mais de 40 anos. Em Sol sobre a lama Viany já mostra um outro tom social na construção de uma produção. O tema – a Feira de Água dos Meninos em Salvador – é declaradamente sociológico e a trama criada pelo cineasta começa com um estupro e assim cria o clima de representação da sociedade em que vivem àqueles personagens.

Outro filme de Viany que fez bastante sucesso foi Agulha no palheiro. Alex Viany marcou a história do cinema brasileiro.

 — XX —

Abaixo, resenha sobre o filme Agulha no palheiro (1953), de Alex Viany, originalmente publicado na coluna Cinema Teatro Rádio, em 12 de maio de 1954 no Folha do povo (Recife), com o pseudônimo ‘João do Cine’, de Celso Marconi

Agulha No Palheiro

Alex-Viany iniciou suas atividades no cinema como crítico demonstrando bons conhecimentos da estética da 7ª arte. Resolvendo passar à atividade prática, tivemo-lo como assistente de direção de Rodolfo Nanni em <<O saci>>, e agora, vamos encontrá-lo como responsável pelo argumento, roteiro e direção do <<Agulha no Palheiro>>.

Uma moça do interior é enganada por um rapaz da cidade e vem procurá-lo apenas sabendo que o mesmo se chama José da Silva. O argumento foi bem desenvolvido, onde se vislumbra o intuito de fazer um drama onde esteja contido, em boa dose, a parte cômica. Para isso, Alex, jogou com os elementos da vida cotidiana, onde existe o sentido dramático, assim como seu lado alegre.

Cenas de “Agulha no Palheiro”

A parte mais importante a notar é a maneira realística como êle captou o poético do cotidiano; e também a maneira correta de encarar o problema da mãe-solteira, a igualdade de condições entre o branco e o preto; tudo isso determinando uma tomada de posição ao lado das fôrços (sic) progressistas do cinema nacional.

Na parte formal, é evidente a grande influência sofrida de parte do neo-realismo italiano e do esteticismo americano. Aliás, isto parece ser uma linha geral do nosso cinema. Seguir o americano e italiano mais do que qualquer outra cinematografia.

Não podemos deixar de mencionar a partitura musical de Cláudio Santoro, que me parece o melhor músico brasileiro para o cinema. Dêle é também a música de <<O Saci>>.Dóris Monteiro é, de fato, uma revelação. Mas terá que sofrer uma correção para evitar os seus maneirismos de cantora de rádio. Sarah Nobre, na personalidade de <<generala em chefe>>, me fez lembrar as matronas italianas. É realmente formidável!

JOÃO DO CINE.

reprodução do texto original publicado no “Folha do Povo” (Recife) em 12 de maio de 1954. Assinado com o pseudônimo ‘João do Cine’ (de Celso Marconi)

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