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Críticas

Senhora Stern

Na busca pelo momento de glória, encontra-se um abraço à solidão

Por Amanda de Luna | 18.04.2021 (domingo)

Em seu segundo longa-metragem, já exibido em mais de 20 festivais, sendo vencedor dos prêmios de Melhor Filme, Melhor Atriz e da Crítica Alemã no Festival de Achtung Berlim, o diretor Anatol Schuster traz em Senhora Stern (Frau Stern, Ale., 2019) uma história que fala muito mais do que vida e morte, cercando-se de sutilezas que se debruçam sobre momentos, solidão, infelicidade e escolhas.

A protagonista, senhora Stern, sobreviveu ao holocausto, quando toda a sua família judia foi assassinada nas mãos de alemães nazistas. Ela sobreviveu, casou-se, teve uma filha, uma neta, e agora, com 90 anos, deixa bem claro aos que estão em sua volta que quer morrer e, de preferência, uma morte rápida. Mas sempre que parece decidida, acontecem situações usuais que a impedem de alcançar seu objetivo. Ela não escolheu passar, nem sobreviver ao campo de concentração e parece que agora não pode escolher morrer.

Além de tudo, a senhora está rodeada de pessoas que a admiram e reservam grande afeto por ela, parecendo controverso, para alguns, alguém que sobreviveu a um dos períodos tragicamente mais marcantes na história do mundo não ter um apreço intenso pela vida. Por sinal, os conflitos são marcantes nas vivências da personagem, fato já denunciado de início: Em sua primeira cena, Sra. Stern está diante de seu médico. Sua respiração é pesada, rouca e debilitada. Em um primeiro momento estamos diante de uma mulher em idade avançada, podendo-se prever que morrerá em breve, mas ainda assim ela veste um tom de vermelho bastante vivo; mas ainda assim ela diz que quer morrer; mas ainda assim seu médico afirma que sua saúde está ótima.

Senhora Stern opera nessa interessante premissa de se tentar compreender o que provoca tanta infelicidade em sua protagonista ao ponto desta conceber que não há sentido mais em viver. O filme trabalha sobre os conflitivos momentos positivos vividos pela senhora e seu desejo de morrer. Morando na mesma casa que a neta, ela está presente em festas, juntamente com jovens que extraem tímidos sorrisos da mulher. Além disso, seu médico é afetuoso, a bartender também é uma ótima companhia, mas ainda assim, algo parece não se encaixar na vida de Stern, algo permeia em seu interior em angústia.

 

Ahuva Sommerfeld como Sra. Stern e Kara Schröder como a sua neta

O roteiro consegue quase sempre conduzir a trama sem a necessidade de justificar a presença de alguns personagens que são utilizados apenas para que aquele possa fluir de forma mais conveniente. Com exceção de um personagem ou outro, tal feito acaba por não afetar a narrativa pelo fato de que tais personagens não são apresentados com um propósito maior do que o motivo pelo qual devem estar ali.

Nesse sentido, o roteiro sabiamente tem as situações girando em torno da protagonista, sobretudo, para arrancar a atenção do público para os aspectos internos desta, deixando tudo que está a volta ser observado em contemplação, da mesma forma como a Sra. Stern o tempo todo parece contemplar os fatos que acontecem à sua frente. Sua presença é marcante, mas seu olhar é mais ainda, e como a maioria dos olhares, são belas janelas da alma.

Sra. Stern foi o primeiro e último trabalho de Ahuva Sommerfeld no cinema

Assim, se tal condução da protagonista é possível e passível de louvores, tudo isso decorre em grande parte da fantástica atuação de Ahuva Sommerfeld em seu primeiro e último trabalho. A atriz infelizmente veio a falecer em 2019, algum tempo depois das filmagens. A maneira como conseguiu escancarar palavras e sentimentos em situações de poucos diálogos, ou até mesmo em silêncio, é um dos quesitos mais fortes e marcantes da personagem e da obra como um todo. Particularmente, em uma das cenas finais, quando Sra. Stern está sendo entrevistada, Sommerfeld consegue exprimir em um só olhar dor, raiva e em certa medida, contraditoriamente, até apatia.

Sra. Stern trabalha com sutilezas para explorar temas e contextos de extrema importância histórica e social. Sutilezas estas que perpassam pela  interpretação forte e firme de Ahuva, pelo trabalho de direção, pelo trabalho de montagem. Como dito, personagens e situações ocorrem de maneira acessória à personagem central, sem afetar a trama ou o envolvimento com a narrativa pela ausência de aprofundamento de alguns destes. Mas é, contudo, como um quebra-cabeça, que se percebe como os acessórios se relacionam e manifestam sentido, significado aos sentimentos da senhora, mesmo quando ela não está presente em cena. Por vezes, são intercaladas cenas que não implicam em uma configuração de causalidade imediata, mas servem como ponto experimental, o que acrescenta ao nível emocional da narrativa.

Como afirmado por um dos personagens da trama, em algum instante da vida nos deparamos com nosso momento de glória, aquele momento quando se percebe que valeu a pena ter vivido. Sra. Stern está preenchido por momentos simples, sutis, sem muita grandiosidade, mas que demandam certo apreço.

Sra. Stern está disponível desde sexta-feira (16) pela plataforma streaming Supo Mungam Plus. Em 29 de abril estará também disponível nos serviços Now e Vivo Play. Vale conferir.

 

 

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