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Críticas

O Festival do Amor

O último filme de Woody Allen?

Por Luiz Joaquim | 20.01.2022 (quinta-feira)

Sinal dos tempos. Estamos publicando esta crítica para O festival do amor (Rifkins`s Festival, EUA/Esp./Sue., 2020), de Woody Allen, um dia após a sua última sessão ter ocorrido em cinemas na praça do Recife (cidade sede do cinemaescrito.com).

De maneira tradicional, as críticas costumavam ser publicadas no dia da estreia do título nos cinemas, mas, como se sabe, a pandemia ajudou a bagunçar (ou organizar?) ainda mais a forma de assistir filmes, e não só isso, acelerou também uma outra maneira de consumir as críticas.

Com a fé de que em breve a distribuidora da obra no Brasil, a Imagens Filmes, o disponibilize em alguma plataforma de streaming, contamos que esse texto tenha funcionalidade (isso se não levarmos em conta a intrínseca funcionalidade de uma crítica de cinema como um documento histórico, de uma cultura, para além da cinematográfica).

Por motivos diversos, envolvendo principalmente as polêmicas a partir da ascensão do #MeToo, mas também acelerado pelo isolamento exigido a partir da pandemia, que, conforme Allen, foi “outro prego no caixão” para o ramo de filmes (leia tudo aqui), cogitou-se que O festival do amor pudesse ser o último filme do baixinho nova-iorquino.

Entretanto, uma reportagem publicada dia 9 de janeiro no site colombiano infobae (leia aqui) joga uma luz no fim do túnel. Conforme o site, o cineasta indicou numa entrevista que está aberto para rodar um novo filme em Cartagena, Buenos Aires ou no Rio de Janeiro.

De qualquer forma, a possibilidade de sua despedida do cinema com O festival de amor faz deste, que é o 49º filme que Allen dirige (pelas contas do cineasta), algo mais do que especial de se ver. E numa sala de cinema, se possível.

Lembrando que o filme abriria o Festival de Cannes 2020 se não tivéssemos a crise sanitária mundial naquele ano, o que, consequentemente, cancelou o mais importante festival do mundo.

O FILME – Mais suave nas piadas do que o anterior – Um dia de chuva em Nova York  -, o novo trabalho pisa com mais firmeza num campo igualmente caro a Allen: um senso de melancolia pela busca de um sentido para a vida. A estrutura do enredo aqui é a sua usual. Homem passa por uma experiência transformadora (no caso, num festival de cinema em San Sebastián, Espanha) pela qual repensa sua própria trajetória ao longo da vida.

Mort (Shawn, na esquerda) repensando a própria vida durante um festival de cinema

Esse plot cheira ao clássico Morangos silvestres, de Ingmar Bergman, um dos ídolos do diretor de Manhattan. Na verdade, O festival do amor é mais uma bela sacada de Allen que encontra espelho em Meia-noite em Paris, um de seus maiores sucessos de bilheteria (coisa rara em sua filmografia – ler aqui).

E o que se reflete desse espelho? O fato de que em Meia-noite… o protagonista ia ao passado interagir de modo hilariante com gigantes da cultura francesa. Em O festival…, ao dormir, os sonhos do professor de cinema clássico e pretenso escritor Mort Rifkin (Wallace Shawn, que já esteve com Allen em O escorpião jade) o colocam protagonizando cenas de obras absolutas do cinema.

Entre elas, Acossado; Cidade Kane; Jules et Jim: Uma mulher para dois; O anjo exterminador; Um homem, uma mulher; 8 ½; Persona: Quando duas mulheres pecam; além do próprio Morangos silvestres e O sétimo selo, neste último colocando Mort jogando xadrez com a morte (Christoph Waltz).

Allen já dialogou com a “morte” em A última noite de Boris Gruschenko (1975). A indesejada figura ceifadora elogiou seu protagonista, mas prometendo que voltaria para encontrá-lo depois. No novo filme, a “morte” também é simpática com o protagonista Mort, dando dicas, inclusive, para que ele viva por mais tempo.

Não é de hoje que não se pode falar em originalidade total nas produções do baixinho, mas originalidade não tem de ser necessariamente um aspecto de boa e instantânea qualidade quando se pensa em criação artística no século 21.

No caso de Allen – e ele reforça isso claramente com o novo filme -, o cineasta sabe contar uma história, e de maneira envolvente e intrigante, como poucos. Sua diferença para os realizadores consagrados da contemporaneidade é que Allen é direto em sua narrativa.

E sendo o ambiente do enredo um festival de cinema, o campo é fértil para o professor/escritor Mort tirar sarro da pretensão de jovens cineastas, sintetizados aqui no personagem de Louis Garrel. Ele é Philippe, “vendido” pela mídia, no contexto da enredo, como a melhor coisa do cinema francês desde a Nouvelle vague.

Um outro ponto que não pode deixar de ser mencionado é a facilidade com a qual o octogenário realizador envolve o seu espectador por diálogos despretensiosos e reconhecíveis por qualquer pessoal que já parou um pouquinho para pensar sobre a própria vida.

Elena Anya e Wallace Shawn em cena de “O Festival do Amor”

Num dos papos do piquenique entre Mort e a médica Jo Rojas (Elena Anya, de A pele que habito), o assunto sobre o que a sociedade espera que o indivíduo seja e aquilo que ele realmente almeja ser é de uma capacidade de envolvimento tão simples quanto competente. E quando vinculada à sequência que remete a`O anjo exterminador então…

Ao detratores de Allen, o conselho eterno é: entrem desarmados em O festival do amor, pois, ao sairem do filme, a leveza é garantida. E isso é bom, principalmente num contexto mundial tão deprimente como foi o deixado pelo ano passado.

Em tempo, a última fala de Mort em O festival do amor é particularmente provocadora. Ele olha para a câmera e nos pergunta: “O que você tem a me dizer depois que eu contei tudo isso?”.

Quase dá pra enxergar ali Woddy Allen se perguntando (ou a nós) se a sua carreira valeu a pena.

A resposta é um ‘Sim’ oceânico.

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