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Festivais

50º Gramado (2022) – Noite 1, “A Mãe”

Contrastes com o festival da rua contra o festival dos filmes.

Por Luiz Joaquim | 13.08.2022 (sábado)

– na foto acima, de Cleiton Thiele/Agência Pressphoto, a equipe do filme A Mãe em entrevista coletiva hoje pela manhã

GRAMADO (RS) – “É com as instituições competentes apoiando nosso livre pensar, que o cinema brasileiro deve seguir”. As aspas foram ditas pela veterana atriz gaúcha, Araci Esteves, durante homenagem que recebeu ontem (12), noite de abertura do 50º Festival de Cinema de Gramado, ao ser contemplada com o Troféu Cidade de Gramado.

A fala certeira da protagonista de Anahy de las misiones (1997) contrastava com o que horas antes havia acontecido no famoso tapete vermelho do festival, quando realizadores convidados acenavam para o público ou para uma fotografia fazendo o sinal de ‘L’, em referência à campanha eleitoral de Lula para a presidência da República e, em resposta ao gesto, algumas pessoas presentes na rua coberta, onde se estende o tapete vermelho, começaram a vaiar violentamente os realizadores, inclusive com palavras (gritos) de ordem como “Bolsonaro: Mito!” e “Lula na Cadeia!”.

Araci Esteves recebe homenagem | Foto: Cleiton Thiele/Agência Pressphoto

Nada mais desigual também do que o comportamento do pessoal da rua coberta com o teor da programação que o festival nos apresentou antes da homenagem a Esteves.

Falamos da exibição do primeiro longa-brasileiro em competição nesta edição: A mãe, ficção de Cristiano Burlan, protagonizado por Marcélia Cartaxo como a nordestina Maria, residente na periferia paulista, na comunidade de Jardim Romano, as margens do Rio Tietê.

Desigual porque, entre tantas provocações necessárias em A mãe, a personagem de Débora Silva – integrante do grupo “Mães de Maio: Contra o Terrorismo do Estado” – afirma em alto e bom tom, numa conversa com sua amiga Maria, que “a ditadura não acabou. Enquanto houver policia militar nas comunidades, ela existirá”.

Débora Silva (e), com o braço erguido, na coletiva de imprensa hoje cedo. Foto de Luiz Joaquim.

Na entrevista coletiva de hoje (13) pela manhã, Cartaxo, reforçou, emocionado também, em tom afirmativo, soando como a verdade incontestável que é: “Somos todos iguais! Não existe gente feia. O que existe é gente sem ter o que comer!”.

A atriz, uma das rainhas do cinema brasileiro – com o reconhecimento de sua majestade felizmente sempre pontuada pelo Festival de Gramado – falou emocionada na coletiva de hoje, e explicou que aquele era o momento de explodir o tanto da dor que assimilou desse projeto de Burlan. Projeto que lhe exigiu comedimento na performance, ao nos apresentar, como uma dor interna, a dor materna de não ter notícias do filho adolescente, Valdo (o ótimo Dunstin Farias), desaparecido numa comunidade controlada por traficantes e policiais assassinos.

Coletiva do filme “A Mãe” | Foto: Cleiton Thiele/Agência Pressphoto

Burlan, com sua inteligência cinematográfica (o que deriva uma elegância cinematográfica), trabalha a construção dessa relação mãe-filho nos primeiros dez minutos do filme com uma naturalidade que só reforça o acerto de todos os elementos cênicos desse trabalho, que foi filmado numa locação em que a tragédia que o enredo nos apresenta é uma realidade diária.

Essa força se estabelece na própria limitação de alguns planos, por exemplo, na minúscula casa de Maria para uma cena com ela entre a beira do fogão e da pia. O que poderia ser entendido como uma limitação de produção (e é também), na verdade, ganha aqui força estética, pois reforça a verdade da encenação que Burlan busca. E o mérito do resultado, nesse caso específico, é da direção com o seu fotógrafo (aqui, o André S. Brandão).

Still de “A Mãe”

Burlan também é sabedor da riqueza dramática que habita a paisagem no rosto de Marcélia. Esse entendimento nos dá, com a performance da paraibana sob as coordenadas de Burlan, um retrato incontornavelmente comovente dentro de uma racionalidade de urgência social, e longe do tradicional melodrama latino-americano (nada contra eles!) para temas como o aqui colocado.

Talvez, por isso, A mãe soe tão competente como uma peça de arte que transpira justiça social.  Afinal, “não há gente feia. O que há é gente que passa fome”. E isso é intolerável mesmo para um Estado doente que, conforme lembrou Burlan em entrevista, “além de matar, desumaniza as vítimas que faz nas comunidades pobres”.

Leia a crítica de Ivonete Pinto sobre A mãe clicando aqui

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