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Críticas

Extermínio: A Evolução

Um Davi contra o Golias da masculinidade alfa

Por Luiz Joaquim | 18.06.2025 (quarta-feira)

“Com sorte teremos mais mortes”, diz Jamie (Aaron Taylor-Johnson) para o filho Spike (Alfie Williams), de 12 anos. A fala é boa. Projeta uma ideia do que se pode esperar em termos apocalípticos de Extermínio: A evolução (28 Years Later, UK/EUA, 2025). Isto se considerarmos que é pela volumosa quantidade de aniquilimentos de mortos-vivos que anseiam os fãs do gênero. 

Neste sentido, este retorno de Danny Boyle (direção) e Alex Garland (roteiro) ao bacana projeto original da dupla, lançado há 23 anos – Extermínio (28 days later, UK, 2002) – parece querer dar uma rasteira em seu próprio público alvo, uma vez que esta sequência alterna carnificina classificação 18 anos com momentos de pura ternura familiar, fazendo do filme algo possivelmente confuso de ser encaixotado por aquele avaliador apressado, ou simplesmente fazendo com que alguns deles bocejem alto em alguns momentos da sessão.

Ao mesmo tempo, ainda que o filme alterne taís aspectos (brutalidade extrema x carinho filial/maternal) – ou talvez exatamente por isso -, Boyle e Garland não deixam a peteca cair no decorrer dos 115 minutos do filme.   

Na verdade, são pelas curvas bem dadas saindo do horror e entrando no amor, para depois nos conduzir por outro curva, nos colocando de volta na rota do horror, que A evolução consegue segurar não apenas os fãs do gênero como também aqueles mais exigentes, que não se contentam com nada abaixo de uma dramaturgia minimamente existencial. E A evolução nos apresenta razoavelmente bem as duas faces dessa moeda. 

O primeiro filme foi um fenômeno – custou US$ 8 milhões, rendeu US$ 72,6 milhões – por razões parecidas, mas principalmente por um condimento próprio e único: renovar o gênero ‘zumbi’ ao mostrar mortos-vivos não mais colocados como seres frutos de uma maldição e rastejantes em seus movimentos, mas sim vítimas de um vírus que em 28 dias contaminou todo o Reino Unido transformando sua população em mortos-vivos turbinados. Acéfalos e velozes na capacidade de caçar carne humana. 

 O sucesso até gerou um Extermínio 2 (28 Weeks Later, 2007), produzido por Boyle mas sem a benção de Alex Garland (Ex-machina, Guerra Civil) – leia crítica aqui

Já no atual novo trabalho da franquia, passaram-se 28 anos desde a primeira infecção e estamos lado a lado de Jamie e o filho Spike. Ambos se preparam para uma espécie de batismo deste último, pelo qual irá aniquilar com arco e flecha alguns infectados na isolada Grã-Bretanha. 

E não deixa de ser interessante usar a expressão ‘isolada Grã-Bretanha’ por um filme de ficção, do gênero fantástico, cinco anos após a oficialização do Brexit além de, claro, ser incômodo retornar a esse horror impiedoso após todos termos vivenciado uma pandemia global, com os horrores que nunca esqueceremos. Entre eles, testemunhar a criação de covas coletivas para centenas de caixões enfileirados. 

“Infectados pelo virus irão morrer medonhamente”: Aqui uma frase forte para o nosso mundo pós-pandêmico.

Voltando ao filme, Spike pertence a uma nova geração que nunca pisou fora da minúscula ilha, onde vive em paz com a sua comunidade esquecida pelos infectados do continente. Em seu núcleo familiar, há também a mãe de Spike, Isla (Jodie Comer), que sofre com uma doença que a faz misturar momentos de sanidade com outros de delírio.  

Não é o pai valentão e fanfarrão, mas sim Spike que, já batizado na brutalidade dos campos do Continente, irá lá buscar a ajuda de Kelson (Ralph Fiennes). Kelson é o único médico ainda vivo no Continente e é nele que Spike crê poder encontrar a cura para a sua mãe. 

Fiennes como o médico Kelson… emprestando seu talento para uma obra fora da curva de sua filmografia Bom de ver.

A evolução se apoia nesse jogo de gato e rato, ou melhor de morto-vivo e vivos  – assim como qualquer outro filme de zumbi, confere? -, mas tem como distinção, dentro de si próprio, uma história de amor entre filho e mãe e, envolta nisso, uma história de amadurecimento desse menino de 12 anos que se rebela contra um pai de moldes do século passado (talvez nem precisemos ir tão distante). 

Spike não tem pressa de ser ‘homem’, e muito menos repetir a postura do pai. Interessante que, dado o contexto de um mundo apocalíptico, a urgência de fazer do filho de 12 anos alguém corajoso e impiedoso com os infectados pode ser compreensível, mas os métodos é que são colocados em questão no íntimo do roteiro de Garland. 

Em outras palavras, o desconforto de testemunharmos a aceleração da perda da inocência de uma criança pela abominável necessidade de aprender a sobreviver no inferno é aquilo com o qual Garland quer nos incomodar. E consegue.

Spike (Alfie, na direita): Indefinido em suas referências do que é certo ou errado

Falando em inferno, e indo para o campo visual de A evolução, não se pode acusar Boyle de não compreender e criar boas imagens. Conhecedor também da boa música para dar ritmo às suas histórias (ainda que o resultado final de cada um de seus trabalhos seja contestável), pode-se dizer que Boyle, inquestionavelmente, sabe como combinar tensão visual pela intensidade certa de batida sonora por minuto. Afinal, estamos falando do cara que deu ao mundo Trainspotting: Sem limites (1996).

Em A evolução, Boyle deixou a trilha ao cargo de de seus conterrâneos, os Young Fathers (que também assinaram a de T2: Trainspotting, 2017), mas ele próprio é também autor do ritmo sonoro aqui quando resgata, por exemplo, a gravação do poema ‘Boots’, de Rudyard Kipling, lida pelo ator Taylor Holmes em 1915. 

Soando como uma lamúria contínua e cadenciada, escutamos Taylor, em longínquo som mono, se referir ao infinito subir e descer das botas dos soldados durante a guerra, como uma condenação eterna, e sugerindo que é ali o endereço do inferno na terra. 

Não é também desconhecido que Boyle sabe dosar a utilização da montagem picotada nas horas que cabem, como também abrir mão delas nas outras, para, especificamente, privilegiar enquadramentos que, em A evolução, fazem do filme algo bom de se ver numa tela gigante. 

Aqui, pela lente do fotógrafo Anthony Dod Mantle (Anticristo, 2009), Boyle brinca com a câmera e nos dá muitos detalhes que podem ou não significar algo para um contexto maior (fica ao critério do espectador), como, por exemplo, um fiapo solto no carpete que cobre a escada na casa de Spike, ou o boneco que o menino, indeciso, deixa em casa antes de ir ao seu batismo de sangue. 

A forma como Boyle/Dod Mantle nos apresentam, por exemplo, o infectado Alfa (Chi Lewis Parry), apenas pela sua gigantesca silhueta no horizonte ao lado de um árvore, liderando infectados na nossa direção, é um desses casos de imagens de medo que a gente leva para casa. 

Vale destacar a competência do ator-mirim Alfie Williams, de 14 anos. Com a sua constante expressão de desalento e desnorteamento mental, ele nos dá uma boa dimensão da convulsão interna de seu personagem em função do que o seu pai diz ser correto (um macho alfa por definição) e o que próprio Spike, pelo instinto, acredita ser o correto. Um dilema que não é pequeno nem mesmo para adultos. 

E vem mais por aí: Extermínio, o templo dos ossos tem data de lançamento em 2026, desta vez dirigido por Nia DaCosta, mas com a benção de Boyle e roteiro de Garland. O filme, temporalmente, deve iniciar onde encerra este A evolução.

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