
Superman (2025) – texto 2
Superman coadjuvando, como uma escada, para outros bonecos da DC Comics
Por Luiz Joaquim | 10.07.2025 (quinta-feira)

87 anos se passaram desde a criação do Super-Homem, ou Superman. Com quase nove décadas, não se pode esperar um personagem estático, fincado imutavelmente nos limites da lógica social do tempo que o criou. Não é por outro motivo que, a cada lançamento ou renascimento do personagem no cinema, nós o encontramos em novos conflitos internos como reflexo de sua interação com o mundo que o cerca.
Entretanto, para não correr o risco de tornar-se mais do mesmo, ou até descartável, todo novo projeto que se arvore a dar vida ao Homem de Aço nos cinemas deveria colocar como alvo prioritário a essência daquele personagem e menos as mirabolâncias das pautas (e piadas) sociais do dia.
Se revermos a mais icônica representação do Homem de Aço no cinema: Superman: O filme (1978), de Richard Donner, temos, por exemplo, a cena da primeira transformação de Clark Kent no Super-Homem, quando o personagem procura uma cabine telefônica para mudar a roupa e descobre, frustrado, que a cabine é aberta da cintura para baixo.
A brincadeira é uma piscadela do mundo em 1978 aos quadrinhos que originaram o herói 40 anos antes, quando as cabines telefônicas eram fechadas; assim como o é o “porra-louca” da Nova Iorque dos anos 1970 que elogia a roupa “transada” do Superman quando ele sai da porta giratória para salvar a amada Lois Lane de um helicóptero despencando de um arranha-céu.
São piadas econômicas e, por isso, certeiras. Dão o recado rápido, sobre a sua época, mas sem ‘encher linguiça’, não desviando do foco do que realmente importa. Isto é inteligência narrativa.
Pulamos 47 anos e encontramos hoje o cineasta James Guardiões da Galáxia Gunn dirigindo e roteirizando Superman (idem, EUA, 2025) e dando o protagonismo desta atualização do super-herói ao insípido David Corenswet, que empresta aqui um “quê” de histrionismo ao célebre filho de Krypton. Mas, calma, não devemos creditar exclusivamente ao jovem ator o desinteressante produto em que resultou este filme que estreou hoje (10).

David insípido
Nesta atualização, Gunn recorre ao oposto do atemporal e do universal que poderia tornar o novo trabalho em algo eterno, como aquilo que Donner fez há 47 anos. No filme de 1978, a mistura de efeitos especiais capazes de arregalar, ainda hoje, olhos de crianças e idosos; com a galhardia de Christopher Reeve na pele do Homem de Aço; mais a genialidade de John Williams na composição da icônica trilha sonora e, acima de tudo, com o filme sendo fiel na construção moral e ética do que representa ser o Super-Homem, por um roteiro adulto escrito pelas mãos de Mario Puzo, tudo isso, enfim, forma o conjunto de respostas para aquela pergunta que sempre surge? Qual o melhor Superman do cinema?
No Superman de Gunn, o que há é uma infantilização ainda maior daquela que já se poderia esperar de um herói quase nonagenário que, sim, nasceu bobinho, apenas para entreter a criançada, mas que pelo cinema, em 1978, com o filme de Donner, ascendeu a um outro patamar.
Um patamar filosófico, por que não? Religioso até, uma vez que, à época, surgiram leituras sobre a vinda do filho de Jor-El, de Krypton à Terra, como a de Jesus Cristo para salvar os seres-humanos de seus próprios pecados.
Superman chegava aos nossos olhos, a partir de então, como um belo herói não apenas pelos seus superpoderes (estes rendiam a parte ‘pipoca’ do produto hollywoodiano. Uma ‘pipoca’ boa, registre-se).
Superman passava agora, e principalmente, a ser um herói adorável por suas qualidades humanas: a empatia, o senso de justiça e a generosidade. E algumas realmente sobre-humanas: não mentir, não maltratar outro humano e não fazer distinção entre quem merece ajuda e quem não merece.
Gunn, com seu Superman 2025, nos apresenta mais um boneco igual a qualquer outro, de personalidade nanica e que precisa dividir o protagonismo com outros heróis que, quase patéticos, acreditam-se afiados em respostas engraçadas na ponta da língua. Todos juntam-se, no princípio à contragosto, para combater vilões irreais vindo de um micro-universo criado por Lex Luthor (Nicholas Hoult, Nosferatu [2025] e Júri Nº 2).
Hoult pode ser uma promessa como ator. Por enquanto ‘pode’, não chega a ser. E o Luthor que lhe entregaram no roteiro não o ajuda nessa escalada. O Luthor de Gunn soa como alguém que precisa urgentemente de psicanálise. Não é alguém que quer mais poder, ou mais fortuna monetária. Até quer, na verdade, mas, acima tudo, luta para ser mais querido e mais famoso que o Superman.
Há, entretanto, do ponto de vista da geopolítica mundial, uma atualização interessante nesta nova versão, uma vez que, em um dos flancos, o filme avança no enredo sobre o apoio de Luthor vendendo armamento a preço de banana para a Borávia, um país fictício que tem um ditador como presidente e que invade outra região fictícia chamada Jarhampur.

Aspecto geopolítico já renderia um bom filme, mas bonecos pseudos-engraçados rendem mais dólares
Se trocarmos o nome Luthor por Trump e Borávia por Israel ou por Rússia, além de Jarhampur por Gaza ou por Ucrânia, o novo Superman já renderia um caldo crítico-analítico profundo, desde que contivesse em si mesmo uma estrutura dramática entre o que é humano e o que é desumano.
À propósito, naquele que seria um momento chave para entrarmos no drama interno do Super-herói, quando Superman esbraveja para Luthor que é tão humano quanto qualquer outro, seu discurso parece ter saído de uma redação escolar. Não comove. Quase constrange.
Ao contrário de melhor aproveitar o gancho geopolítico ali rascunhado, Gunn opta (ou melhor, foi pago para ‘optar’) pelo outro flanco do filme que é descer abaixo pela ladeira do fantástico e escancarado mundo do DCI, dando cara de videogame para embates – como o do ‘Gremlin’ gigante – criados para introduzir outros heróis da DC na nova franquia que vem aí.
São supers que vão do ‘doguinho’ do Superman (claro, já rendendo memes nas redes), passando por sua priminha adolescente, a Supergirl (Milly Alcock), e chegando principalmente nos ‘descolados’ e enfadonhos Lanterna Verde (Guy Gardner), Mulher-Gavião (Isabela Merced) e o Sr. Incrível (Edi Gathegi).

Superman e seu doguinho brincam na lua
Como curiosidade no elenco temos Bradley Cooper como Jor-El, pai biológico do Superman, e Will Reeves, filho de Christopher (1952-2004) com uma breve passagem como um repórter.
E, como registro de algo valioso aqui, por obra das novas possibilidades da tecnologia, vale apontar as cenas iniciais de voo do Superman, com o seu rosto em close e o cabelo ondulando ao vento, nos dando a sugestão da velocidade do voo.
Mesmo em sua pequenez, o novo Superman consegue ser melhor, por exemplo, que o lixo confuso que foi Batman vs Superman: A origem da justiça (2016), de Zack Snyder.
Mas, ei, qual é mesmo a validade de tomarmos o péssimo como parâmetro para algum mérito?
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