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Críticas

Adão Negro

Se Adão Negro não agir, Bolsonaro… eerrr, o Senhor dos Demônios reinará sobre Kahndaq

Por Luiz Joaquim | 20.10.2022 (quinta-feira)

É sempre divertido ver nerds procurando profundidade filosófica nas adaptações de filmes de boneco. Há, claro, obras como Wolverine imortal e Coringa que deram uma sacolejada nos alicerces da habitual idiotia que reina em títulos assim. Estes surgiram como um apêndice manufaturado por algum irrequieto roteirista/produtor/diretor infiltrado num corpo forjado por grandes estúdios para alcançar o giga-lucro das bilheterias com o apoio, principalmente, daqueles nerds.

Hoje (20), entra em cartaz no Brasil Adão negro (Black Adam, EUA, 2022), dirigido pelo espanhol Jaume Collet-Serra, dono de uma filmografia respeitável, com filmes cuja tensão tornaram-se referência no mainstream, particularmente os realizados em parceira com a estrela Liam Nesson – Desconhecido; Sem escalas; Noite sem fim, O passageiro –, sem falar no já cult Águas rasas.

Collet-Serra tenta deixar sua assinatura nesse projeto valioso para a DC Comics que, desde o final dos anos 2000 anuncia sua realização –, e que tem coprodução assinado pela protagonista Dwayne Johnson, The Rock –; mas a missão de Collet-Serra não é tão simples assim.

The Rock, produtor e protagonista como Teth-Adam/Adão Negro

Com um roteiro um tanto burocrático coescrito por Adam Sztykiel, Rory Haines e Sohrab Noshirvani (a partir do personagem-título lançado em 1943 pela Fawcett Comics) e efeitos digitais transbordando nas sequências de ação, sobra pouco para se estabelecer alguma personalidade no projeto Adão negro.

Ainda assim, há uma certa graça e tensão (mesmo que irregular) na condução da trajetória da entidade Teth-Adam (Johnson) que, após 5.000 anos, renasce de sua tumba na fictícia região de Kahndaq dos dias de hoje.

O design de produção aqui nos apresenta Kahndaq assemelhada a algum país no Oriente Médio ou ao norte da África, o que é pertinente não apenas com as origens do anti-herói Teth-Adam/Adão Negro (originalmente ele é do Antigo Egito), mas também coerente com tipo de crítica política e social contemporânea que pode ser feita ao país de origem do filme.

Teth-Adam renasce, involuntariamente, no século 21 não como um herói mas sim com um vilão pelo fato de não deixar vivo nenhum de seus antagonistas – a Intergangue. Tudo acontece na longínqua Kahndaq. Lá Teth-Adam voa à velocidade da luz, solta raios, e tem força descomunal.

Isso aciona um botão vermelho no outro lado do mundo, na Sociedade da Justiça da América, com a chefona Waller (Viola Davis, com o rosto programado no modo enfastiado) convocando Falcão Negro (Aldis Hodge) e o Dr. Destino (Pierce Brosnan) – com sua capacidade de antever o futuro e multiplicar seu corpo e mente pelo espaço a partir de seu elmo -, além dos novatos Esmaga-Átomo (Noah Centíneo), cujo poder é agigantar-se, e Cyclone (Quintessa Swindell), que faz vento.

A Sociedade da Justiça – com Dr. Destino (Brosnan) e Falcão Negro (Hodge) – chega a Kahndaq com os ares do imperialismo americano

O quarteto tem a missão de trazer o vilão Teth-Adam para um cárcere especial da Sociedade. Mas é a historiadora de Kahndaq, Adrianna (Sarah Shasi) que dá a real aos super-heróis americanos.

Ela solta, para a Sociedade, algo próximo a: “Nosso país é escravizado há 5.000 anos e hoje vivemos sob o julgo dos militares da Intergangue. Onde vocês estiveram esse tempo todo? Agora que temos nosso próprio herói vocês querem prendê-lo?”.

A historiadora Adrianna (Sarah Shahi) com seu irmão correndo atrás para libertar a sua região, Kahndaq, dos militares-milicianos.

A questão levantada por Adrianna não apenas dá uma simbólica banana para a história política de intervenção norte-americana em países periféricos ao redor do mundo, como, ao mesmo tempo, quer provocar a asséptica (ou sagrada) ideia de que todo super-herói deve salvar toda e qualquer vida. É boa, a provocação, considerando que além do preto e do branco, há a gradação do cinza no mundo real.

Teth-Adam, que nem queria estar ali, discute num outro momento – este cômico – com Adrianna sobre quem irá ensinar ao seu filho pré-adolescente sobre violência. Aliás, o humor ganha seu primeiro espaço no filme a partir da amizade entre o filho de Adrianna e Teth-Adam.

Já no quarto do garoto, o anti-herói, assustado ao acordar, acerta um raio no rosto do Super-homem estampado num pôster. Noutro momento numa briga com seu Falcão Negro, também no quarto repleto de imagens e brinquedos de heróis da DC, Teth-Adam arrasa com todos eles, ainda que acidentalmente.

As reviravoltas do roteiro voltam a soar frágeis ao final do filme, com a iminência do renascimento de um rei maligno que subjugou Kahndaq há 5.000 anos.

Se a coroa incrustrada com o minério mágico ‘eternium’, protegida pela historiadora Adrianna, for parar nas mãos do único descendente desse monarca do passado, ele se tornará Bolsonaro… ou melhor, Sabbac, também conhecido como o Senhor dos Demônios. A propósito, Adão negro pode ser lido aqui no Brasil como uma ilustração em CGI do cenário que será o nosso latino país caso o candidato do Partido Liberal seja reeleito no próximo dia 30.

Sequência de apresentação de Teth-Adam: sombriamente envolvente em sua perspectiva de destruição

O que acontece, como contraditório a si mesmo, em Adão negro é que a primeira aparição de Teth-Adam/Adão Negro no filme é realmente cativante em seu poder de destruição, jogando militares pelos ares como se folha de papel fossem, enquanto o confronto final com Bolsonaro… eerrr, quer dizer, Sabbac surge aos nossos olhos como a conclusão de um jogo de videogame, sem que nós controlemos o joystick. É visualmente frágil, falso e fácil.

A cena pós-crédito, com Teth-Adam já como Adão Negro encontrando um herói-mor da DC para uma conversa poderá, entretanto, deixar os fãs de heróis da DC Comics novamente excitados. A conferir.

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