
Superman (2025) – Texto 3
O resgate da imagem otimista de Superman, sem vergonha do absurdo
Por Humberto Silva | 12.07.2025 (sábado)

Em 1938, o primeiro número da revista Action Comics abria com uma página que narrava em poucos quadros a origem de um novo herói: o Superman. Na segunda, ele já aparecia no meio de uma corrida contra o tempo para salvar uma moça inocente. O leitor era atirado já para dentro da história em andamento e é também essa a escolha de Superman (2025), a nova versão do super-herói, agora escrita e dirigida por James Gunn.
Em um breve letreiro, é lembrada ao espectador de maneira brevíssima a origem do herói e informado que ele acabou de perder, pela primeira vez, uma luta. A primeira imagem do personagem é ele despencando do céu em alguma região polar e, arrebentado, assovia chamando a segunda presença do filme, o cachorrinho (de capa) Krypto.
Responsável pelos três Guardiões da Galáxia (2014/ 2017/ 2023) e por O Esquadrão Suicida (2021), Gunn construiu uma assinatura nesse subgênero de filmes de super-heróis. São muito lembradas a trilha sonora esperta e cenas de ação inventivas. Mas também é sua marca a total falta de vergonha em colocar na tela os exageros e absurdos dos quadrinhos do gênero.
E isso é um elogio. Pense, por exemplo, em Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado (2007) e o constrangimento do filme em colocar no filme o devorador de mundo Galactus como um ser gigante de formato humano (como nos quadrinhos), tendo resolvido trocá-lo por uma espécie de “névoa intergalática” totalmente sem sal (erro que o novo filme do Quarteto já mostra que não vai cometer).

O herói que salva pessoas, bichos e até vilões retorna à sua essência.
Ou no Batman (2022) de Matt Reeves e seu imenso esforço para tentar fazer do Homem-Morcego um personagem “do mundo real”, descaracterizando completamente um vilão absurdo como o Charada.
James Gunn não tem medo nenhum desses absurdos. Se é para colocar na tela uma estrela do mar espacial gigante para ser combatida pelos heróis, como o Starro em O Esquadrão Suicida (2021), ele coloca.
Com efeito, neste novo Superman há essa cena em que o herói (David Corenswet) desabafa com Lois Lane (Rachel Brosnahan) em seu apartamento enquanto, lá fora, vê-se pela janela outros super-heróis lutando ao longe contra algum monstro genérico. “É só um duende de outra dimensão. Eles dão conta”, diz o protagonista. O próprio uso de Krypto, um super cachorrinho de capa vermelha, tem esse espírito.
Esse é o mundo já estabelecido no qual o espectador cai de paraquedas em Superman. As coisas já estão acontecendo, há mínimas explicações (ou nenhuma). A certa altura, o vilão Luthor (Nicholas Hoult, também ótimo) solta um monstro gigante em Metrópolis só para distrair o herói, enquanto outro plano está em andamento. De onde vem esse monstro? De que espécie ele é?
O filme toma a clara postura de simplesmente não se importar com isso e o espectador caxias que tudo bem justificado pode sofrer esperando explicações para tudo. Quando o Superman e seus amigos o derrotam, o homem de aço diz: “Esperava levá-lo para um zoológico intergaláctico”.
Assim, o filme já estabelece em um diálogo que há um conhecimento de outros planetas e povos, sem precisar narrar como aconteceu essa descoberta – da mesma forma que parte do princípio que o espectador já sabe quem é o Superman e sua origem básica, já contada em filmes e séries anteriores, sem precisar narrar tudo de novo.
A população de Metrópolis parece já bastante acostumada com os monstros gigantes, que já fazem parte do cotidiano da cidade. A escolha de estabelecer a realidade do filme dessa forma ajuda a acelerar a narrativa. Ainda assim, o filme tem tantas ideias e elementos que é seu poder de síntese é bem impressionante. Ele se mantém próximo das duas horas de projeção, quando os blockbusters têm facilmente passado das 2h30.

James Gunn aposta em heróis do segundo escalão e acerta no tom.
O resultado é a alta rotação da história, em que muita coisa acontece e algumas passam bem rápido. O espectador pisca e pode perder, por exemplo, os macaquinhos haters que espalham fake news na internet.
Para James Gunn, esses absurdos típicos de um gibi são um elemento a mais de humor e carisma para um filme de super-herói e vai totalmente na contramão da seriedade com que algumas produções querem ver o subgênero. Aqui, não há como não fazer uma comparação com O Homem de Aço (2013) e as produções subsequentes comandadas por Zack Snyder com o universo DC.
Snyder propôs uma releitura radical e sombria do herói. Um Superman “atualizado” para o novo tempo, ele dizia. Mas o que se vê em seus filmes é que o conceito de super-herói se resumia a sair na porrada contra superinimigos. Salvar pessoas era uma chateação com que seus filmes não queriam lidar muito.
O Superman de 2025 parece que aprendeu bem as lições com os erros de sua versão cinematográfica anterior. Aqui, o azulão salva pessoas, cachorro, esquilo e o que ele puder enquanto combate uma ameaça. É exemplar que ele esmurre um monstro e depois vá segurá-lo para que não caia sobre um prédio. Ou que desvie o olhar da criatura para cima, para que não cuspa nele, no céu, e não nas pessoas.
Seu trabalho, assim, é muito mais difícil e ele precisa sempre usar a cabeça, coisa que Zack Snyder nunca entendeu. Este filme faz o “snyderverso” parecer ter sido um pesadelo que, enfim, acabou, nunca tendo existido de verdade. Superman é vivo, pulsante e uma delícia de assistir como há muito tempo a DC não conseguia fazer um filme ser.
Outros heróis já existem nesse momento da história e, embora não haja menções aos pesos-pesados da editora, o espectador pode pressupor que eles estejam por aí. James Gunn sabe, no entanto, que ao escalar heróis do segundo time, ele não precisará aprofundá-los. O Sr. Incrível, o Lanterna Verde Guy Gardner, a Mulher-Gavião e o Metamorfo não estão sequer perto da importância histórica de um Batman ou uma Mulher-Maravilha. Eles entram em cena vindos de lugar nenhum e ficam o tempo suficiente apenas para que saibamos seus poderes e um pouco de suas personalidades.
Isso ajuda a minimizar os problemas de ter gente demais no filme, mas também há quem saia perdendo. Aí é clara a subutilização do Planeta Diário, principalmente do editor Perry White.
A exceção entre os heróis coadjuvantes é o Sr. Incrível (não confundir com o personagem de mesmo nome de Os Incríveis, a animação de 2004 da Disney/ Pixar). Com um tempo de tela consideravelmente maior que os outros colegas do elenco de apoio, sua escalação (papel de Edi Gathegi) foi um grande achado do filme. É dele, inclusive, a cena de ação pop mais elaborada do filme e ainda divide com o Superman uma piada na cena pós-créditos.

James Gunn reencontra no Superman uma figura idealista, mas nunca ingênua — um símbolo necessário em tempos cínicos.
Esse alto astral não quer dizer que não haja sentimentos levados a sério na história: outra marca do diretor-roteirista é abrir espaço para emoção no meio da diversão. Ele já havia feito isso bem na trilogia Guardiões da Galáxia. Assim, Clark Kent e Lois Lane (Corenswet e Rachel Brosnahan são duas escolhas certeiras) expõem suas diferenças de relacionamento (“Eu questiono todo mundo e você confia em todo mundo”, ela diz) e o filme faz breves, mas bem visíveis, observações políticas.
Logo no começo apresenta o impasse: Superman agiu para impedir uma guerra, sendo o pretenso invasor um aliado dos Estados Unidos enquanto o país agredido é bem mais frágil. A analogia entre Israel e Palestina parece bem clara, assim como a postura do bilionário que tem controle sobre redes sociais e que não hesita em financiar uma guerra para lucro próprio. Qualquer semelhança com personagens reais não é mera coincidência.
O filme também toca na flutuação da opinião pública segundo a maré das fake news da internet e reforça o Superman como um imigrante, mas que imigrantes são “daqui” como todo mundo.
Lidar com o Superman é mexer com um personagem infinitamente maior que os de Guardiões da Galáxia e do Esquadrão Suicida, que podem ser ridicularizados e ninguém vai se importar. James Gunn soube dosar muito bem seu humor pop e iconoclasta com uma visão carinhosa do Superman. Ele entendeu que um Superman carrancudo é uma besteira. O personagem, que tanta gente acha antiquado por sua moral simples de querer ajudar as pessoas da maneira que puder, sempre rende quando defende sua visão de mundo e ética pessoal contrastando com um mundo cínico.
0 Comentários