
49º MostraSP (2025) – “Sorry, Baby” e “Rosemead”
O melhor e o pior do cinema independente norte-americano
Por Luiz Joaquim | 23.10.2025 (quinta-feira)

– na foto acima, a gata Olga e a diretoria-roteirista-atriz Eva Victor como Agnes em Sorry, Baby.
SÃO PAULO (SP) – Chegamos, nesta quinta-feira (23), na metade da 49º Mostra Internacional de Cinema de SP e se engana, claro, quem acredita que o melhor de sua programação já passou. Com uma rede que soma mais de 40 espaços de exibições (entre salas de cinema e outros locais adaptados) projetando 380 filmes em 15 dias – além dos eventos vinculados ao V Encontro de ideias, na Cinemateca Brasileira -, a Mostra de SP desenha um grade de opções que confortavelmente atende a todos que querem se conectar imediatamente com o melhor do cinema feito recentemente no mundo.
A boa grade de programação não garante, porém, que aquele cinéfilo – e aqui em São Paulo eles são numerosos, como tudo nessa cidade – deixe de sofrer em algum momento ao montar sua própria agenda pois, fatalmente, ele precisará fazer uma “Escolha de Sofia” ao decidir por um filme ou outro evento com horários chocando.
Ontem (22) à noite, por exemplo, o Encontro de ideias abriu com ninguém menos que o tímido Charlie Kaufman, roteirista de filmes como Quero ser John Malkovich e Brilho eterno de uma mente sem lembranças, palestrando numa mesa que incluiu a poeta canadense Eva H.D. Com acesso gratuito, mas sujeito à lotação da Sala Petrobras, evidentemente, não deu para quem quis.

Kaufman na abertura da Mostra de SP, na quinta-feira (16), em foto de Mário Miranda Filho/Agência Foto.
SORRY, BABY – De qualquer forma, o que não faltam são bons filmes inéditos, como opções, durante cada um dos 15 dias da Mostra – que encerra na quinta-feira (30). Ontem, Sorry, baby, o filme de estreia da diretora parisiense (radicada nos EUA) Eva Victor – atuando também como atriz protagonista aqui -, mostrou-se como mais uma dessas belezas que a Mostra apresenta ao Brasil.
Eva tem se destacado no universo literário, escrevendo para a revista The New Yorker, e é exatamente sobre uma professora de literatura que este seu drama humorado se debruça. A diretora-roteirista-atriz vive Agnes, morando solitariamente na mesma casa desde a juventude, numa microcidade interiorana dos EUA. Agnes dedica-se a conclusão de sua pós-graduação com a esperança de um dia ser contratada como professora com dedicação exclusiva na pacata faculdade onde ela mesma estudou.
Ela recebe em casa a sua amiga de infância, Lydie (Naomi Ackie, de Mickey 17), vindo de Nova Iorque e anunciando uma gravidez o que, em contraponto, sublinha, num certo sentido, um grau de estagnação na vida de Agnes. A “estagnação” (atenção para as aspas) é algo que, na verdade, nem a incomoda. Contanto que ela sempre tenha o sossego de sua casa para ler seus livros, então, tudo bem para a Agnes. Destaque para citações a Susan Sontag, James Baldwin e Nabokov.
Mas, a certa altura, a professora sofre uma brutalidade criminosa que a transforma. É uma brutalidade desgraçadamente recorrente na vida das mulheres em todo o mundo, e constantemente representado no cinema, mas o que se diferencia em Sorry, baby não é a sua representação visual-dramatúrgica (aliás, o poder de síntese de Eva Victor como diretora, em termos cinematográficos, é de aplaudir). O que se destaca é a capacidade da combinação entre roteiro, atuação e direção de Eva em nos colocar dentro da confusão que passa a ocupar a cabeça dessa nova vítima da violência masculina.
Assim dito, Sorry, baby pode soar como um filme pesado, e aqui vem mais um crédito para esta obra: seu enredo é costurado por diálogos absolutamente afiados, sagazes e cômicos que, somados a extremamente linda e fofa amizade apresentada entre Agnes e Lydie (passando longe da pieguice), Sorry, baby resulta num filme com a rara capacidade nos fazer querer sermos amigos daquelas duas. Afinal, elas são divertidas, culturalmente sensíveis e honestas.

Eva (Esq., como Agnes) e Ackie (como Lydie): Amor profundo e sororidade
Junto a tudo isso – com espaço ainda para questões de gênero sexual -, Sorry, baby consegue dar o peso e a medida sem gordura para o que é do drama – com uma sofisticada opção de não demonizar todos os homens -, e consegue dar também o peso sem gordura para o que é do humor nesta complexa e cativante personagem que é Agnes.
ROSEMEAD – Outro título pequeno, em termos de $, que chega dos EUA na Mostra é Rosemead, primeiro longa dirigido pelo diretor de fotografia Eric Lin. Mas este é um projeto muito particular da atriz Lucy Liu (Kill Bill, As panteras, Presença) que empregou seu próprio dinheiro no projeto, como produtora.
Apostando no apelo do “inspirado numa história real”, Rosemead apresenta a viúva sino-americana Irene (Liu) tocando a vida em sua loja, uma gráfica, enquanto administra uma doença terminal sem que o seu filho Joe (Lawrence Shou, fraquinho) saiba. Prestes a completar 18 anos, Joe, por sua vez, passa por um tratamento para cuidar da esquizofrenia. Como consequência de sua condição, Rosemead ensaia, no seu enredo, levar o filme para o tema das chacinas em massa, com tiroteios promovidos por adolescentes nos EUA.

Apesar do esforço de Lucy Liu, quase nada parece dar certo em “Rosemead”
Rosemead peca pela ambição em tantos temas complexos e, o pior, não consegue estabelecer o ritmo adequado a levar a plateia para o desfecho trágico e inesperado do final. Salva-se Liu, em interpretação dedicada, que inclui muitos diálogos em mandarim, para uma performance que exige distância da sua habitualmente imagem em personagens de mulher atraente e sofisticada.
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