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Reportagens

O mercador de sonhos

Antônio Silva, o mais antigo programador de cinema em atividade do país

Por Luiz Joaquim | 31.05.2007 (quinta-feira)

Quanto tempo dura uma paixão? A de Antônio Silva já vai em 61 anos dos seus 83 de vida. E ainda continua. O objeto da paixão é o cinema. Seu Silva, como é carinhosamente tratado pelos mais jovens da área, é, muito provavelmente, o mais antigo programador cinematográfico em atividade no País. Hoje, com sua empresa, “Sétima Arte”, criada em 1987, é o representante de programação no Norte/Nordeste da distribuidora norte-americana Columbia Pictures.

Antes de entrar para o ramo, com 21 anos em 1945 na United Artist (UA) – “empresa criada por Charles Chaplin e Mary Pickford”, destaca Seu Silva -, ele já havia passado por uma companhia de seguros e depois pelas Forças Armadas, quando foi incluído na Força Expedicionária Brasileira e passou quase um ano na Itália no período da 2á Guerra Mundial.

Quando volta da Europa, seu cunhado, gerente da Paramount Pictures, o convidou para ser programador da UA. “O interessante é que em 1945, operavam no Recife as empresas chamadas ‘sete irmãs’: além da UA, tinha a Paramount, a Universal, a Metro-Goldwyn-Mayer, Columbia, Warner Bros e Fox. Havia também uma menor, a Allied Artist Pictures”, recorda.

Naquele período, só no Recife, existiam 35 salas e o lançamento dos filmes acontecia em dois dias: quarta-feira e domingo. “Os filmes ficavam normalmente em cartaz por apenas quatro ou três dias”. Esses oito distribuidores que operavam no Recife garantiam um número grande de títulos para alimentar essa alta rotatividade na programação. “A salas naquele período eram enormes, com mil lugares em média. Um filme como “A Um Passo da Eternidade” (1953), lançado no Cine Art Palácio, fazia 20 mil espectadores em uma semana, suprindo a demanda da cidade”, explica o veterano.

Com seis meses Seu Silva foi convidado a ir para o Rio de Janeiro, onde passou mais seis meses até ser transferido para Salvador onde ficou por ano. “Naquele período, a matriz da representação das majors ficava na antiga Capital Federal, o Rio de Janeiro, e as filiais operavam em São Paulo, Botucatu, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife e Belo Horizonte”.

Da Bahia, o programador foi para São Paulo e permaneceu por mais de quatro anos até voltar ao Recife aos 29 anos, em 1953. “Eu era muito jovem e a esposa mais ainda, queríamos nos estabelecer num lugar fixo e quando voltei comecei a trabalhar para a Columbia, e ali fiquei exclusivo por 37 anos, até 1980”. Neste mesmo ano, Seu Silva destaca a forte crise que atingiu o mercado cinematográfico, fazendo com que a Columbia, a Fox e a Warner Bros unissem forças criando uma subsidiária nacional chamada Serviços de Distribuição de Filmes (SDF).

Representando três das mais fortes distribuidoras do mundo, Silva era, então, o homem mais cobiçado pelos exibidores do Norte/Nordeste. A SDF foi até 1987, quando a Fox se retirou do grupo, e o programador resolveu criar a empresa Sétima Arte para cuidar das contas da Columbia e Warner. 17 anos depois, em 2004, a Warner decide agendar as exibições com as salas de cinema do Brasil inteiro direto da matriz, em São Paulo. De lá até hoje, Silva mantém-se, mais uma vez, cuidando exclusivamente da conta da Columbia, onde goza de respeito como uma verdadeira lenda viva merece.

MEMÓRIAS – Em suas mais de seis décadas de ofício, Seu Silva é conhecido como um verdadeiro gentleman do cinema, não só pela sua elegância e discrição, mas também pela competência. Do tempo antigo, mantém a, hoje escassa, polidez no tratamento com seus clientes e destaca que as negociações mudaram bastante nesses anos. Da década de 1950, Seu Silva conta, com a voz embargada e os olhos querendo marejar de saudade, que percorreu todo a região entre Alagoas e Amazonas.

“Nas viagens, levava comigo fotos, sinopses e um catálogo com mais de 50 títulos só da Columbia. Às vezes, programávamos logo seis meses de agenda numa uma sala”, e continua: “Nesta viagens, voei pela extinta companhia Pan-Air e acompanhei toda a evolução das aeronaves no País. Cheguei a ir de catalina para o Amazonas”. Sobre as catalinas, Seu Silva ilumina a ignorância deste repórter explicando: “Eram aviões anfíbios, que pousavam nos rios da região Norte. Por ele, cheguei em Parintins, Santarém e Altamira”. Nesta última cidade, Seu Silva já marcava filmes para uma sala, hoje chamada de Cine Lúcio Mauro.

Testemunha ocular dos vários ciclos de ascensão e depressão, de crise e de êxitos na indústria cinematográfica, mundial e nacional, Seu Silva também acompanhou o nascimento, amadurecimento e encerramento na carreira de vários críticos de cinema no Recife, entre eles Celso Marconi e Fernando Spencer, que lhe dedicou, há 15 anos, uma matéria que inspira esta publicada hoje.

Do sem-número de lançamentos que fez, Silva não esquece de “Gilda” (1946), no Art Palácio, que era o principal exibidor da Columbia no Recife. E ainda “As Pontes do Rio Kwait” (1957), “Lawrence da Arábia” (1962) e “Ghandi” (1982). Na época da revolução tecnológica do cinemascope, o veterano recorda o primeiro filme da Columbia neste formato: “Um Pecado em Cada Alma” (1954), sucesso com Glenn Ford.

“As facilidades das comunicações nos dias de hoje encurtaram muito o processo de divulgação e agendamento dos filmes. No meu início, o conceito de marketing nem existia, mas acredito que o fator humano é muito importante nesse ramo e nunca vai deixar de existir”. Seu Silva, aos 83 anos, fala isso enquanto manipula o mouse de seu computador para apontar, por e-mail, a exibição de “Homem Aranha 3” no Cine Lúcio Mauro, aquele mesmo em Altamira, que ele visitava nos anos 1950 de catalina.

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