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Festivais

17° Cine Ceará, 2007, (3)

Patativa, o homem das mil histórias.

Por Luiz Joaquim | 05.06.2007 (terça-feira)

FORTALEZA (CE) – É agradável descobrir que, mais de quatro décadas após o primeiro impacto gerado pelas primeiras imagens captadas do sertão com uma preocupação estética mais apurada (Linduarte Noronha! Vladimir Carvalho! Nelson Pereira!), ainda é possível captar a beleza plástica que a crueza daquela área proporciona através de uma bela fotografia. Quem nos fez lembrar disto foi o cearense Ives Alburqueque, com a projeção de seu curta-metragem ‘Sol de Amém’, na noite de segunda-feira no 17º Cine Ceará: Festival Ibero-americano de Cinema.

Em P&B e com projeção cinemascope, ‘Sol de Amém’ trata dos temas eternos (e nem por isso menores) da seca: a fome, a fé e a esperança na chuva. Aqui, eles aparecem encarnados na mãe (Leuda Bandeira) que vive num eterno desejo do retorno de seu marido, enquanto o filho adulto também sonha em partir dali.

Os tempos passado e presente dialogam, por vezes, numa mesma imagem deste roteiro de Albuquerque, que ganha uma bela perspectiva, mas de pouco contraste (problemas no laboratório?), pelas lentes do fotógrafo Roberto Iuri. Pena que o problemático som no calorento Centro Cultural Sesc Luiz Severiano Ribeiro, onde acontece a competitiva do festival, não nos ofereça todos os detalhes dos diálogos.

PATATIVA – Na seqüência, Rosemberg Cariri apresentou seu ‘Patativa do Assaré: Ave Poesia’. Os 84 minutos do documentário estão à altura da importância de seu cinebiogrado para a poesia cearense. Com uma diversidade de imagens de arquivos do próprio acervo e de outros (em Super-8, 16mm, 35mm, S-VHS, Hi-8, U-Matic, Betacam) o veterano cineasta conseguiu desenhar a trajetória deste poeta popular que, com seu versos sobre a família, o amor, o sertão e a política, chegou a ser estudado por franceses.

Mas, pelo depoimento de especialistas em lingüística, Cariry não esconde o lamento em constatar que um artista da estirpe de Patativa ainda precisa de referências no exterior para ganhar mais crédito em sua própria terra. Ao mesmo tempo, escutamos pela boca do próprio poeta (falecido em 2002) o reconhecimento a Miguel Arraes quando, em 1955, intermédiou a transcrição de seus poemas narrados para o livro ‘Inspiração Nordestina’, fazendo a arte de Patativa circular por todo o país.

Ou ainda a polêmica da gravação por Luiz Gonzada de ‘A Triste Partida’, hino inconteste do sertaneja que busca uma vida melhor na cidade grande, ilustrado com inspiração por Cariry com imagens de ‘Viramundo’, de Geraldo Sarno, não por coincidência exibido na tarde de domingo no Cine Ceará dentro da mostra paralela com filmes fotografados por Thomas Farkas, presente no evento.

Cariry vai marcando a passagem do tempo na vida de Patativa pela ótica política, incluindo aí filminhos oficiais da campanha no período da ditadura, não deixando de lado as hoje cômicas propagandas políticas. Tudo isso deu um tom mais ‘engajado’ nas palavras de Patativa que talvez ele pensasse aplicar. De qualquer forma, temos também o registro, cantando pela voz trêmula do poeta, daquilo que foi sua criação voltada para o que há de essencial na vida.

Quase como uma reza, ou um lamento, a melodia que saía da boca de Patativa fazia, por mais de uma vez, a platéia do Cine Ceará aplaudir em cena aberta. Logo de início, quando ele recita sobre a morte de sua filha pequena, aos seis anos de idade, quase dava para tocar com a mão a tristeza que crescia no ar pelo público, encantado ao encontrar a arte de Patativa na tela do Cine Ceará.

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