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Reportagens

O crepúsculo de um deus

Ingmar Bergman morreu aos 89 anos, na manha de hoje, na Ilha de Faro

Por Luiz Joaquim | 30.07.2007 (segunda-feira)

O que dizer sobre a morte de um deus? É difícil porque os deuses não morrem e Ingmar Bergman (1918-2007), falecido na manhã de hoje, em sua casa na ilha de Faro, no mar Báltico, já era uma divindade no cinema desde os anos 1960. Mesmo que tivesse tivesse interrompido naquela década seu percurso como diretor, o cineasta já teria uma lugar especial na história da arte cinematográfica, ao mesmo tempo em que colocava seu país, a Suécia, no mapa como um território de melancolia, de figuras transtornadas pela solidão e pela busca por um sentido na vida.

Bergman realizou 54 filmes, 126 peças teatrais e 39 peças de rádio, além de diversos trabalhos para TV. Sua história no cinema iniciou nos anos 1940. Antes passou pelo teatro, escrevendo roteiros e encenando peças para August Strindberg. Especialistas contemporâneos que acompanharam sua transição do teatro para o cinema afirmam que Bergman constituía um exemplo feliz de alguém que participou das duas formas de criação (teatro e cinema) de uma maneira multifacetada mas com bastante coerência, mantendo em ambas as formas de expressão um rigor específico de estética e exigências pessoais.

Não é difícil entender a força do universo temático e da estético recorrente em seus filmes quando sabemos de sua intimidade com o teatro nórdico, em particular de Ibsen e Strindberg. Uma intensa carga dramática e psicológica dos personagens surgem logo na primeira fase de sua obra até a trilogia formada por “Através do Espelho” (1961), “Luz do Inverno” (1962), “O Silêncio” (1963), desenvolvendo-se, durante a mesma década, em trabalhos sobre relacionamentos perturbadores em sua essência, explorando-os também plasticamente, como em “Persona – Quando Duas Mulheres Pecam” (1965). Aqui vale registrar um nome importante que caminhou ao seu lado, a do fotógrafo Sven Nykvist que o ajudou a concretizar por imagens o tom das perturbações internas em seus personagens.

Esta primeira fase, entre 1945 e 1960, dividi-se em dois níveis de evolução dramática. A primeira vai até “Noite de Circo” (1953), na qual utilizava-se de recursos realistas combinados com uma expressão plástica inspirada no expressionismo. Nesse bolo está “Mônica e O Desejo” (1952), no qual utiliza com felicidade a natureza e o erotismo como elementos narrativos. Desse período, Bergman já deixara marcas daquilo que viria fundamentar sua obra futura, ou seja, a experiência humana sempre à beira da ruptura, do limite da dor pela consciência da fugacidade da vida e seus dilemas morais e éticos.

No segundo período desta primeira fase, entre 1954 e 1960, ele mostra-se virtuoso em representar as angústias humanas através de um universo de signos codificados baseados na tradição medieval. É desse período uma de suas primeiras obras absolutas , “O Sétimo Selo” (1957), no qual um cavaleiro busca respostas sobre a vida e a existência de Deus enquanto joga xadrez com a morte. Pelo “Sétimo Selo”, Bergman ganhou o prêmio especial do júri em Cannes e passou a ser reconhecido mundialmente como um grande autor, título que já gozava nos países nórdicos.

Neste mesmo ano, o cineasta faz outra obra-prima, “Morangos Silvestres”, no qual revisa uma vida, a do velho professor Isak Borg (Victor Sjöströn, em sua última aparição no cinema) quando inicia uma viagem ás origens imbuído pela proximidade da morte.

Nos anos 1970, Bergman dá uma nova direção temática à sua criação. Ele foca forças na culpa, mas sem nunca relegar a angústia da vida e da morte, de Deus e do mal, da fugacidade do tempo, do sexo e da castração. Aqui o autor abusa do tratamento da fotografia e da iluminação conseguindo uma ambientação quase fantasmagórica e irreal, pela qual os atores atingiram o ponto mais elevado de suas carreiras.

Aqui também , a partir de “A Hora do Amor” (1971) entra no final da segunda fase, caracterizando-se por produções internacionais. Nos 12 anos seguintes, até “Fanny & Alexander” (1982), Bergman se afasta um pouco das questões metafísicas presente em trabalhos anteriores, dando maior vazão a traços prementes no conflito humano de nosso tempo e freqüentemente mostrados através de uma depuração formal e técnica. Alguns títulos que ilustram isso são “Gritos e Sussurros” (1972), “Cenas de Um Casamento” (1974), “Face a Face” (1976), “Sonata de Outono” (1978) e “Da Vida das Marionetes” (1980).

Com o lançamento de “Fanny & Alexandre”, Bergman também anunciava que encerraria sua carreira. O filme é a síntese superior de sua obra. Ali encontramos a encenação de sua infância e das personagens familiares e personalidades que a habitaram. Da repressão e das infrações das regras estabelecidas na Suécia do início do século 20. Entra também a tradição religiosa radicada no protestantismo (Bergman apanhava do pai, um pastor luterano), a presença da família como entidade mitológica e fundadora e as fixações da infância.

Mas “Fanny & Alexander” não foi seu canto do cisne. O autor continuou contribuindo para o cinema através de roteiros ou telefilmes. Em 2000 escreveu o roteiro de “Infiel”, dirigido pela sua ex-esposa e uma de suas atrizes mais marcantes, a bela Liv Ullman. Em 2003 temos sua última obra, “Saramband” (lançado no Brasil em DVD), na qual retoma os mesmos protagonistas de “Cenas de Um Casamento”, vivido pelos mesmo atores: Ullman e Erland Josephson.

Filmografia:

2003 – Saraband (Saraband) (TV)
2000 – Bildmakarna (TV)
1997 – Larmar och gör sig till (TV)
1995 – Sista skriket (TV)
1993 – Backanterna (TV)
1992 – Markisinnan de Sade (TV)
1986 – Document: Fanny and Alexander
1984 – Depois do ensaio (Efter repetitionen)
1983 – Karins ansikte
1982 – Fanny e Alexandre (Fanny och Alexander)
1980 – Da vida das marionetes (Aus dem leben der marionetten)
1979 – Farödokument 1979
1978 – Sonata de outono (Höstsonaten)
1977 – O ovo da serpente (Das schlangenei)
1976 – Face a face (Ansikte mot ansikte)
1974 – A flauta mágica (Trollflöjten)
1973 – Cenas de um casamento (Scener ur ett äktenskap) (TV)
1972 – Gritos e sussurros (Viskningar och rop)
1971 – A hora do amor (Beroringen)
1969 – Farödokument
1969 – O rito (Ritten)
1969 – A paixão de Ana (En passion)
1968 – Vergonha (Skammen)
1968 – A hora do lobo (Vargtimmen)
1967 – Stimulantia
1966 – Quando duas mulheres pecam (Persona)
1964 – Para não falar de todas essas mulheres (For att inte tala om alla dessa kvinnor)
1963 – O silêncio (Tystnaden)
1962 – Luz de inverno (Nattvardsgästerna)
1961 – Através de um espelho (Sason I em spegel)
1960 – O olho do diabo (Djavulens oga)
1959 – A fonte da donzela (Jungfrukällan)
1958 – O rosto (Ansiktet)
1957 – No limiar da vida (Nära livet)
1957 – Morangos silvestres (Smultronstallet)
1956 – O sétimo selo (Det sjunde inseglet)
1955 – Sorrisos de uma noite de amor (Sommarnattens leende)
1955 – Sonhos de mulheres (Kvinnodröm)
1954 – Uma lição de amor (En lektion I kärlek)
1953 – Noites de circo (Gycklarnas afton)
1952 – Mônica e o desejo (Sommaren med Monika)
1952 – Quando as mulheres esperam (Kvinnors väntan)
1951 – Juventude, divino tesouro (Sommarlek)
1950 – Isto não aconteceria aqui (Sant händer inte här)
1949 – Rumo à Alemanha (Till glädje)
1949 – Sede de paixões (Torst)
1949 – Prisão (Fängelse)
1948 – Porto (Hamnstad)
1948 – Música na noite (Musik I moker)
1947 – Um barco para a Índia (Skepp till India land)
1946 – Chove em nosso amor (Det regnar pa var kärlek)
1945 – Crise (Kris)

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