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Críticas

Aboio

A contemplar (e escutar) o belo

Por Luiz Joaquim | 07.11.2007 (quarta-feira)

Para realmente apreciar qualquer obra de arte contemporânea o requisito maior está na sensibilidade do observador e menos nos títulos acadêmicos que ele tenha conquistado. Essa discusão vai longe se formos entrar em aspectos da indústria cultural, mas podemos imbutir atalhos se falarmos em termos de “conseguir enxergar o belo” por trás de uma densa camada de marketing que nos cerca por 24h.

O primeiro longa-metragem da mineira Marília Rocha, “Aboio” (Brasil, 2005) em cartaz a partir de sexta-feira (9) no Cinema da Fundação, é bom produto para reflexão a respeito do assunto. Primeiro vale a pena explicar que “Aboio” é um documentário com olhos e ouvidos – mais olhos que ouvidos – para os vaqueiros que ainda usam do canto, quase um lamento, para conduzir o gado pelo pasto.

A prática é secular mas anda em processo de extinção – o gado agora viaja mais de caminhão – escutamos da boca de um dos boiadeiros do filme, entrevistados no interior da Bahia, Minas Gerais e Pernambuco. Tudo embalado pelos sons de Naná Vasconcelos, Cordel do Fogo Encantado, O Grivo, além do aboio dos próprios personagens.

Sabendo o tema do filme, e voltando à questão de apreciar o belo. “Aboio” fala mais sobre imagens do que sobre vaqueiros, e é na capacidade dessas imagens encantar que vive a força do filme. Já há algum tempo que se vem consagrando no cinema mineiro atual uma força no experimentalismo. E é fácil perceber em “Aboio” uma fome por imagens que digam mais que qualquer palavra. Importante salientar que a equipe do filme foi competente no quesito de captar (criar?) essas imagens.

Seja num super-close em fios de cabelo no braço de um boiadeiro, ou na sua garganta enquanto abóia, seja com os pingos da chuva, nos olhos de um boi (intercalado com o de um humano), com as farpas geradas pelo fogo numa fogueira, ou no reflexo que a luz dessa fogueira provoca no rosto de um vaqueiro (sugerindo uma tinta em movimento num objeto estático num quadro).

Munidos, enfim, de câmeras Super-8 e digitais, Marília e sua equipe conseguem texturas impressionantes, que desvia nossa visão (ou audição, ou ambos) do boiadeiro para enxergar o imagem em seu estado puro de significantes. Não se trata de dizer se “Aboio” é bom ou ruim, mas sim o quanto é possível tirar prazer, ou não, das imagens criadas para este filme. Aproveite quem conseguir.

“Aboio” recebeu prêmios no festival dedicado à documentários “É Tudo Verdade” e no “Cine-PE: Festival do Audiovisual de Pernambuco” (2005).

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