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Críticas

Jogo de Cena

O rosto humano por trás da encenação

Por Luiz Joaquim | 12.03.2008 (quarta-feira)

Seria demais dizermos que o cineasta Eduardo Coutinho, 74 anos, é um bruxo? Então como explicar sua capacidade de extrair de pessoas em frente a uma câmera histórias íntimas e deixá-las tão a vontade a ponto de elas chorarem melancolicamente ou cantarem de alegria (e/ou de tristeza), e de mostrarem-se quase totalmente nuas em sua identidade. Talvez alguém diga que fazer isso é fácil de alcançar com algum pouco de prática como documentarista. Ok, mas o resultado nunca parece tão transparente e honesto como nas obras de Coutinho. No novo “Jogo de Cena” (Brasil, 2007) – na realidade, filme estreou em novembro no Sudeste e em cartaz nesta sexta-feira no Cinema da Fundação, Recife -, Coutinho estuda exatamente essa capacidade das pessoas se transformarem diante de uma câmera.

Conversando com apenas mulheres, individualmente, num teatro vazio, ele intercala depoimentos “reais” de personagens anônimos, com depoimentos de atrizes quase anônimas, e ainda com o depoimento de atrizes consagradas na televisão, cinema e teatro brasileiro – são elas Andréa Beltrão, Fernanda Torres e Marília Pêra. Neste jogo que Coutinho constrói com o espectador, com as atrizes e com as entrevistadas (à propósito, ‘entrevista’ não é um termo aprovado pelo diretor), ficam todos as três instâncias humanas do jogo a mercê da sutil condução dada pela mão do cineasta. É como uma articulação feita por um enxadrezista de emoções humanas. O resultado é sempre comovente.

As aspas no começo do parágrafo anterior são por conta do cuidado que se deve ter em definir o que é real ou irreal, do que é verdadeiro ou mentiroso num documentário de Coutinho. Primeiro porque ele não tem a pretensão de desenvolver a separação desses valores. O próprio “Jogo de Cena” está aí mais para embaralhar esses conceitos do que para defini-los. A noção por trás da palavra ‘autenticidade’ talvez seja mais apropriada para comentar “Jogo de Cena” e outras obras do mestre.

As depoentes não-atrizes profissionais do filme chegam até a produção via anúncio publicado no classificados de um jornal carioca, que pede mulheres numa certa faixa etária para participar de um produção. Na seqüência, vemos uma delas subindo a escada escura que leva ao palco do teatro onde está Coutinho e sua equipe técnica. Tudo é bastante simples e transparente na proposta a ser realizada. Elas estão ali para falar de si próprias, e, sendo autênticas, intermediadas pelo conforto que Coutinho lhes concede, põem para fora fábulas comoventes de pessoas comuns assim como a nossa, espectadores.

Atenção para a palavra ‘fábula’, pois não há como evitar perceber uma performance, por menor que seja, das depoentes em frente a câmera. Não há como evitar tal mascaremento diante de uma câmera (mesmo a câmera de Coutinho, veja entrevista abaixo). Isso entretanto não é um problema, pois é na mecânica desse mascaramento – em atrizes e não atrizes – que o bruxo dos documentários está interessado em desconstruir aqui.

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