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Críticas

A Criada

A fina linha entre o erotismo e a violência, pelos olhos inquietos de Park Chan-wook

Por Guilherme Lobão | 12.01.2017 (quinta-feira)

Caminhar pelo território do erotismo é seguir um trajeto equânime rumo à violência, como constataria o escritor francês Gerorges Bataille, um dos grandes pensadores a decifrar mistérios da dor e do gozo, sobretudo no domínio da literatura. O cinema não seria também nenhum estranho às violações permissivas do desejo, este impulso transgressor que pauta a ficção desde os tempos da oralidade. A criada (The handmaiden, Coreia do Sul, 2016), novo filme do diretor sul-coreano Park Chan-wook (de Oldboy) a chegar aos cinemas brasileiros nesta quinta (12), remonta a uma arqueologia desse imaginário erótico, recorrendo a estonteantes enquadramentos e uma virtuosa direção de arte um tanto carregada no verniz.

O thriller oriental inspirado no romance galês Fingersmith, de Sarah Waters (adaptado em minissérie pela TV britânica em 2005), acompanha a jovem ladra coreana Sook-hee (Kim Tae-ri). A garota, integrante de um clã de gatunas, é eleita para se passar por criada da dama japonesa radicada na Coreia do Sul, Lady Hideko (Kim Min-hee), e então aplicá-la um golpe com ajuda do malandro Fujiwara (Ha Jung-woo), um camponês que se passa por conde.

A partir dessa premissa, Chan-wook costura um roteiro episódico (divido em três partes) pelo qual persegue um caminho fatalista semelhante ao da ordem do desejo de Bataille: insinua-se sob o prisma do mistério posto (a dama Hideko será vítima da criada-bandida em conluio com o tal “conde”); se abre para a lascívia, ao tempero do furor sexual (ao tempo em que Hideko despreza o conde, deixa-se seduzir pela bela criada); e redunda em uma sequência de histórias e atos de violência dentro de um jogo de reviravoltas repleto de subterfúgios.

Nesta gangorra de emoções e incertezas, o diretor debate o erotismo e a violência a partir de dois núcleos: o feminino e o masculino. Por um lado, dama e criada constroem um processo de iniciação e logo liberação sexual, em pequenas coreografias insinuantes na banheira, na cama, na troca de olhares ou na espiada pela brecha da porta. Entre os homens, o fio dramático é pautado pela violência – inicialmente a perpetrada contra as mulheres. O Tio Koukuzi (Jo Jin-woong), sujeito asqueroso de língua preta dono da tutela de dama Hideko, gerencia em sua mansão uma confraria de senhores excitados, que se reúnem para ouvir contos eróticos interpretados pela sobrinha.

 

O tour de force visual, a todo custo buscando impactar, tem a maior parte dos méritos do filme – incluindo belíssimos planos de dentro para fora da mansão, um movimento de encontro do moderno com o bucólico visto em muitos momentos através das janelas. Porém, este preciosismo também pode servir para mascarar alguns tropeços de roteiro – a exemplo da forçada montage explicativa entre o segundo e o terceiro ato.

À história sombria e ao suspense um tanto calculado demais, como se num mistério de M. Night Shyamalan, Chan-wook acrescenta pequenas pílulas de humor aqui e ali, apoiado por uma mise-èn-scene de clara influência ocidental – um traço naturalmente herdado dos últimos trabalhos, sobretudo Segredos de sangue (2013) – que contribui para um saudável contraste de estilos e evita o ranço barroco do típico “filme de época”.

Da alusão aos contos de Marquês de Sade à violência gráfica afeita ao cinema oriental (da qual o próprio Chan-wook é perito), A criada resulta em um filme de porcelana, tão belo tecnicamente, mas de discurso fragilizado pela falta de comentários mais assertivos em seu subtexto, no que concerne o tratamento do romance feminino. Engolido pela brutalidade da relação masculina narrada na subtrama, o clímax se apequena, esfria, emudece.

* Texto gentilmente cedido pelo crítico Guilherme Lobão, da Kinópolis Produções Artísticas.

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