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Críticas

Plano 75

Eutanásia aos 75 anos como medida estatal

Por Paulo Henrique Silva | 25.04.2024 (quinta-feira)

O ponto de partida de Plano 75 é uma ficção, mas em tempos que se discute com bastante ênfase o envelhecimento da população mundial e os seus impactos negativos na previdência social, a narrativa dessa produção japonesa ganha ares de distopia.

A história não se passa no futuro, o que deixa mais claro o quanto o tema é urgente, ao mostrar a adoção de uma saída radical para a questão: a opção de idosos decidirem pela eutanásia após completarem 75 anos de idade, com total apoio estatal.

O filme de Chie Hatyakawa entra em outra discussão, sobre o livre arbítrio em torno do prolongamento ou não da vida, especialmente em situações de doenças incuráveis, mas esse desejo, no roteiro, vem mais de fora para dentro, como uma nefasta necessidade socioeconômica.

O filme explora a adoção de uma medida extrema para lidar com o envelhecimento da população: a eutanásia para pessoas com mais de 75 anos, apoiada pelo Estado.

Esse viés é mais nítido por meio da personagem vivida por Chieko Baisho, que está em plena condição de saúde, mas que, devido à idade, fica sem emprego, não conseguindo mais se sustentar, já que o governo não oferece qualquer benefício para a sua faixa de idade.

Ao contrário, ela só vai encontrar apoio governamental quando analisa a possibilidade de aderir ao programa estatal de autoextermínio, que, em nome do bem comum, oferece determinada quantia em dinheiro para pagar dívidas e desfrutar antes de morrer.

Desde a primeira cena, quando há um assassinato de vários idosos num asilo, entrar numa idade avançada significa virar um pária, quase um criminoso. Esse “delito” é evidenciado nas expressões de Baisho, que, se não fosse pela data de nascimento, seria como qualquer outra mulher.

A incursão distópica de Plano 75 se sustenta também na sistemática propaganda do governo, enfatizada em todas as formas de comunicação com a sociedade, que nos faz lembrar filmes como THX 1138, 1984 e “O Sobrevivente”.

A partir desses meios ocorre o estímulo e a normalização dessas mortes. Os mais novos veem, com raras exceções, a situação com indiferença, sensação que nos é transmitida principalmente pelo agente personificado por Hayato Isomura.

O Estado é retratado como desumano e burocrático, tratando os cidadãos como meras peças descartáveis.

É ele quem realiza os primeiros contatos com idosos interessados, divulgando um mundo de vantagens que, pouco depois, verá que não passa de falsas promessas. Em filmes de ficção científica, seria o herói rebelde, mas esse não é o propósito de Plano 75.

Além da idosa sem emprego e do agente, a estrutura narrativa também põe em cena uma imigrante filipina, representante da mão de obra barata que é usada para repor a massa trabalhadora. É o elo mais fraco do filme, sem carregar a mesma ação dramática.

Enquanto a idosa vira uma vítima do sistema, que liga diariamente para ela para oferecer serviços de apoio psicológico que nunca podem desestimular a necessidade de pôr fim à vida, o agente se culpabiliza por ajudar a manter uma grande farsa.

O Estado passa a longe de ser um protetor do cidadão, com a sua burocracia funcionando para evitar grandes custos e transformando seres humanos em simples peças de descarte. Neste sentido, uma das melhores cenas, curiosamente, é protagonizada pela imigrante.

Ela consegue emprego no local onde são realizadas as mortes consentidas, no setor em que são separados os pertences pessoais. É impossível não associá-la aos campos de concentração nazistas, que amontoavam roupas, dentes de ouro, óculos e chapéus antes de executar os judeus.

Num mundo em que a extrema-direita ganha força, o filme põe em evidência governos totalitários que decidem sobre as parcelas da população que devem morrer, de uma forma direta, como a mostrada em Plano 75, ou em programas que alijam as camadas mais frágeis.

Um grau de intolerância que ganha contraste na sequência em que, ao mostrar a idosa olhando o entardecer e cantarolando uma música sobre cerejeiras, deixa no ar que, apesar da iminente chegada da escuridão, ainda há esperança na renovação – um dos significados da árvore-símbolo do país.

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