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Críticas

Gladiador

Sem a estatura de um épico.

Por Luiz Joaquim | 27.02.2018 (terça-feira)

– publicado originalmente em 19 de maio de 2000 no Jornal do Commercio (Recife)

O diretor inglês Ridley Scott é craque em conduzir verdadeiras epopéias para salientar a luta pessoal de um personagem. Vide Alien: O Oitavo Passageiro, com a tenente Ripley; Blade Runner: O Caçador de Andróides, com o ex-policial Deckard; e 1492: A Conquista do Paraíso, com Colombo. Todos são exemplos da sua capacidade para apresentar um rico e envolvente universo que converge para a causa particular de uma pessoa. Ripley e Deckard só queriam sobreviver; Colombo só queria provar que algumas loucuras valem a pena; e Maximus, protagonista de Gladiador (Gladiator, EUA, 2000) – estreando hoje no Brasil, só quer voltar para casa. Talvez seja esse o ponto crucial que transforme a superprodução de 103 milhões de dólares em um pseudo-épico; ao contrário de um legítimo, como vem sendo vendido.

Um dos motivos que deram credibilidade ao três filmes antigos citados foi o descompromisso com a grandiosidade. Mas o argumento de ‘venda’ de Gladiador se refere à obra como a primeira grande produção que visita a espada, a ganância e a decadência do Império Romano desde os anos 60 (Bem-Hur; Spartacus, Cleópatra). O argumento chega a ser válido. Afinal, Scott nos leva ao ano 180 a.C. quando mais da metade do mundo está sob o domínio do imperador Marcus Aurelius (Richard Harris).

Acontece, porém, que a luta do herói romano, Maximus (Russel Crowe, de O Informante) não é para combater a tirania contra a escravidão, ou para deter os jogos onde homens são barbaramente assassinados só para entreter uma massa delirante. A causa que impulsiona o general é extremamente pessoal: vingar a morte da família. Gladiador, apesar de espetacular, não é grandioso.

Além da personificação devotada de Crowe como Maximus, vale ressaltar a autênticidade com a qual o veteraníssimo Richard Harris (Um Homem Chamado Cavalo) se ‘veste’ de Marcus Aurelius. O ator coloca toda a fragilidade de corpo envelhecido com uma carga de maturidade que não estaria completa sem os cabelos brancos e o rosto enrugado. O destaque feminino da película também traz o carimbo ‘Ridley Scott’ impresso nos trejeitos. Parece até insano dizer que ao olhar uma mulher caminhando numa luxuosa sala romana do ano 180 a.C., é possível recordar a imagem de uma replicante caminhando numa sala minimalista da Los Angeles de 2019 d.C.

Mas é exatamente isso que acontece quando Lucilla (Connie Nielsen) a irmã de Commodus Joaquin Phoenix, hipnótico), aparece graciosa. Ela seria uma ótima soberana se, conforme as regras da época, tivesse nascido homem. Temeroso de entregar a trono do já corrompido império romano ao ganancioso herdeiro masculino, Marcus Aurelius decide nomear o general Maximus como seu sucessor. A fúria de Commodus ao descobrir os planos do Imperador o faz antecipar a morte do pai e, uma vez no trono, passa a perseguir Maximus.

Apesar de conseguir fugir, o general não consegue evitar o assassinato daqueles que lhe são mais valiosos. Capturado como escravo por um ex-gladiador (Oliver Reed, falecido durante as filmagens e a quem o filme é dedicado), Maximus vira um galo-de-briga humano respeitado pelo seu poder de liderança. Dai para frente, é a história de como um escravo vira herói.

Mesmo com o gosto de simulacro de épico na boca, não dá para se sentir engabelado pela história do herói que só quer rever a esposa e o filho. Pelo contrário. O novo Ridley Scott tem excelências. A acuidade cenográfica de muitas cenas é apenas um reflexo do apuro com o qual o cineasta pensa nas tomadas. Apaixonado por artes plásticas, o diretor volta a brindar o espectador com uma das suas marcas. Criar pinturas em movimento dignas de deixar todos mudos no cinema (lembrem de Os Duelistas; A Lenda).

A batalha nos 10 minutos iniciais, à lá O Resgate do Soldado Ryan, tem trechos captados em câmera lenta e depois acelerados para dar a sensação de movimento natural. O efeito, entretanto, é uma ação nervosa, robusta e consistente. Mas há uma ressalva. Alguns excessos de cortes na montagem das batalhas dá a uma ou outra cena um tom MTV, difícil de acompanhar.

Imagens para guardar ficam por conta das várias combinações entre cenário e efeitos digitais. A produção de Gladiador apresenta, com bastante verossimilhança, desde as sujeiras nas ruas da Roma Antiga até a magnitude do Coliseu em toda sua imponência. Atenção para as tomadas aéreas sobre a arena, onde uma multidão digital urra por violência.

CO-ESTRELAS –Ao contrário do que acontece em outros filmes envolvendo figuras históricas em batalhas históricas (Rob Roy, Coração Valente, Joana D’Arc de Luc Besson), Gladiador não mantém o foco de sua lente apontada cansativamente em direção ao seu protagonista. Ele dá uma chance ao público de conhecer melhor contra quem estamos lutando e quais suas razões (Blade Runner). Aqui, o lado negro da força pertence à Commodus (Joaquin Phoenix, hipnótico). Ele é o único herdeiro do Imperador e é tão covarde quanto faminto pelo poder.

Criado como uma espécie de personificação shakespeareana do mal, Commodus, ainda assim, carrega alguma coisa de simpático na sua desesperada e infantil gana pela autoridade. A performance de Joaquin lhe dá outra referência além do eterno vínculo de ‘irmão de River Phoenix’, e faz pessoas saírem da sala pensando “ele trabalhou em qual filme mesmo?”

 

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