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Festivais

22. Cine-PE (2018) – noite 1

Animações, mulheres maltratadas, homenageadas e alteradas na abertura do festival recifense.

Por Luiz Joaquim | 01.06.2018 (sexta-feira)

– na foto de Felipe Souto Maior, Katia Mesel no cine São Luiz (Recife), homenageada pelo 22. Cine-PE

Noite looonga de abertura do 22º Cine-PE: Festival do Audiovisual na noite de ontem (31) no Cine São Luiz (Recife). E não falamos assim pela extensão da programação – composta ontem por seis curtas-metragens e o longa-metragem Mulheres alteradas, de Luís Pinheiro. Falamos pela habitual (e compreensível), digamos, prestação de contas com os patrocinadores e apoiadores pela qual a apresentadora Graça Araújo precisou pontuar ao abrir a noite após um pequeno atraso de 20 minutos.

Numa pausa na fala da apresentadora, o pesquisador e realizador Marco Buccini subiu ao palco para anunciar o lançamento, durante todo o festival de seu livro Histórias do cinema de animação em Pernambuco, no qual deposita uma cuidadosa pesquisa historiográfica do gênero no Estado. Buccini voltou ao palco logo depois para comentar a animação O consertador de coisas miúdas, que assina, junto a estudantes, a partir de um HQ de João Lin. Buccini aproveitou o espaço para registrar solidariedade a Kleber Mendonça Filho pela “perseguição do MinC contra a prestação de contas de O som ao redor.

Ainda que com traços atraentes, pela simplicidade, O consertador… parece pecar pelo ritmo e, curiosamente, os desenhos originais de Lin feito para a revista Ragu – mostrados durante os créditos finais – surgem ainda mais sofisticados e ricos que o da própria animação.

Antes de O consertador… exibiu outra animação – Dia um, de Natália Lima – fruto de um exercício acadêmico. Ambos filmes, do programa ‘Curtas pernambucanos’, foram  sucedidos pela competição nacional de curtas, iniciando com o carioca Marias, de Yasmin Dias, que registrou o sofrimento de cinco mulheres a partir de violência física e/ou psicológica promovida pelos companheiros das respectivas personagens. Uma delas sendo a própria mãe da diretora, assassinada a facadas. Emocionada na apresentação, a diretora destacou que “transformou a própria dor em arte”.

Marias é um documentário simples, cuja força reside essencialmente na autenticidade do depoimento urgente de suas personagens. É comovente e é necessário para estimular o debate e o combate contra o machismo mas, como resultado cinematográfico, é pequeno.

Por uma decisão curiosa, a programação da noite exibiu imediatamente depois Sob o delírio de agosto, curta de Carlos Kamara & Karla Ferreira que encena, entre outras situações de violência, um estupro. Para as mulheres que se sofreram junto com os depoimentos de Marias, ver Sob o delírio… não deve ter caído nada bem.

Com a difícil proposta de retratar o início de um processo esquizofrênico num sertanejo – foi gravado em Orobó, PE – o filme tem um roteiro cuidadoso de Kamara e performance equilibrada do protagonista Bruno Goya,além de um virtuosismo na fotografia. No caso do filme seguinte, o carioca Abismo, de Ivan de Angelis, o cuidado aparece na edição feita pelo próprio diretor. Num espírito kubrikiano (inclusive pelas opções de fotografia), acompanhamos a angústia de um idoso porteiro de um prédio preso naquele ambiente.

O mais redondo curta da noite não tinha origem brasileira. Desculpe, me afoguei, de Hussein Nakhal e David Hachby, tem origem libanesa e entrou na programação por uma parceria do Cine-PE com a organização Médicos sem Fronteiras. Feita pelos estúdios Kawakeb, de Beirute, a animação foi criada a partir de uma carta (de autor desconhecido) dita encontrada próxima ao corpo de um refugiado que se afogou no mar Mediterrâneo. Escutamos em off o texto libanês da autora da carta (a voz é feminina) pedindo desculpas por fugir, por morrer, pelos peixes que comeram seu corpo no fundo do mar sem se importar com sua origem e raça, entre outras relações potentes na voz melancólica da narradora. Ao mesmo tempo, vemos uma animação  visualmente hipnótica, cuja beleza está na combinação e amplificação exacerbada  de pontos em preto e branco.

Antes da exibição do longa-metragem, o festival prestou homenagem a cineasta Katia Mesel, que recebeu o Calunga das mãos do secretário de Cultura do Estado, Marcelino Granja. A diretora de O rochedo e a estrela lembrou da evolução da participação das mulheres no audiovisual nos últimos 50 anos. “Antes, as mulheres atuavam apenas como atrizes, hoje elas estão nas mais diversas funções”.

LONGA-METRAGEM – Se o impacto temático mais forte que ficou dos curtas apresentados relacionava situações humilhante vividas por mulheres, o longa da noite, em caráter hor-concours – apresentou um lado, digamos, divertido do universo feminino (ou ao menos o caracterizou dessa forma). Apresentado como uma “comédia-pop” pelo próprio diretor Luís Pinheiro – cuja experiência audiovisual é mais relacionada à publicidade e à série para tevê – Mulheres alteradas chega ao cinema como adaptação dos quadrinhos de Maitena.

O enredo é conduzido pela advogada workaholic Marinati (Alessandra Negrini) que, ao pegar um caso valioso para o escritório onde trabalha, vê a chance de ser promovida. Na correria para defender uma cliente (Patrycia Travassos) num divórcio bilionário, arregimenta a equipe para trabalhar dia e noite. Entre elas está sua principal secretária, Keka (Deborah Secco).

Num breve momento de relaxamento, numa festa ao lado da amiga e mãe de família Sônia (Mônica Iozzi) – que para estar na balada deixou os dois filhos pequeno com irmã mais nova (Maria Casadevall) – Marinati conhece um conquistador (Daniel Boaventura) por quem se apaixona. Daí, tudo se transforma na vida da workaholic que, de advogada respeitada, transforma-se, praticamente, numa adolescente descontrolada pelo paixão.

Alessandra Negrini, em “Mulheres Alteradas”

Mulheres alteradas tem uma estrutura rica no seu roteiro, com diversos personagens secundários interessantes – o chefe de Marinati (Mário Gomes), o faz-tudo do prédio onde ela mora (o sempre bom Augusto Madeira), a dondoca que briga por uma cadeira num hotel de luxo (a também sempre ótima Luciana Paes), o marido de Keka (Sérgio Guizé) – mas, ao sair do universo urbano, onde se passa mais da metade do filme, e ir para o ambiente do hotel na praia, parece perder-se na mesma proporção de debilidade mental que Marinati passa ao curtir o novo namorado.

Por esse vai-e-vem de situações alucinadas do filme – que soa mais como uma espécie de comedia feminina (não feminista) hollywoodiana, ou como uma comédia preparada pra ganhar as mulheres no mercado latino -, passa incólume Negrini.

A atriz, com sua capacidade de imergir em sua Marinati, parece tão a vontade, e divertindo-se com o espírito neurótico de sua personagem, que a seguimos aqui sem muito esforço e, inclusive, sorrindo com ela.  Negrini, que transita tão bem tanto num Bressani quanto nessa piada feminina bem paulistana, merece todas as atenções.

Atenção que capta tão bem dos espectadores e espectadoras com as caretas divertidas feitas ao descobrir-se apaixonada pelo conquistador do Boaventura, ou pelo orgasmo que a faz subir pelos ares, no primeiro sexo com o playboy.

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