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Festivais

47ª MostraSP (2023) – A Sanguínea Adolescência

Três filmes premiados que abordam os dilemas da juventude e da amizade.

Por Luiz Joaquim | 20.10.2023 (sexta-feira)

Na imagem destacada, estão os irmãos Purdey e Makenzy Lombet, do filme ‘Está Chovendo em Casa’.

SÃO PAULO (SP) – Antes de tudo, uma observação. Ao passar o olho com um pouco mais de dedicação pela programação desta 47ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo é fácil perceber uma curiosa preponderância apontando para a nova cinematografia canadense e para muitos títulos que circularam no último festival Sundance, norte-americano. Isto sem que tais preponderâncias constem como destaque na divulgação oficial do evento.  

O que as preponderâncias indicam sobre a curadoria? Pode indicar muito, passando inclusive pelo fato de termos no Canadá e no Sundance uma safra excepcional. Para tanto seria necessário conferir todos os títulos das duas origens aqui na Mostra.

Um dos mais procurados títulos por aqui na noite de ontem (19), primeiro dia da Mostra aberta ao público, foi, a propósito, a produção da diretora canadense Ariane Louis-Seize, que levou o prêmio de melhor filme na seção Jornada dos Autores, no Festival de Veneza. 

Vampira Humanista apresenta uma boa premissa, mas seu ritmo é irregular.

Com o inspirado título de Vampira humanista procura suicida voluntário, a obra mostra o dilema da adolescente vampira canadense Sasha (Sara Montpetit) que, para a preocupação de seus pais classe-média, não tem coragem de matar humanos para se alimentar.

Ao se aproximar de Paul (Félix-Antoine Bénard), outro adolescente introspectivo, vítima de bullying e com tendência suicida, Sasha vislumbra a possibilidade de passar pelo ritual da primeira mordida com a colaboração deste seu novo amigo. Acontece que a amizade evolui para o que poderia ser um namoro juvenil, impedido apenas pela diferente natureza do casal. 

Vampira humanista… nos dá alguns poucos, mas bons, momentos divertidos a partir de seu improvável enredo, sendo, talvez, o melhor deles a analogia da primeira mordida como uma espécie de iniciação sexual para a jovem vampira de 63 anos (a média é 375 anos, segundo a personagem). O que coloca Sasha no mesmo patamar de Paul em sua falta de experiência com garotas.

O filme, entretanto, sofre pelo ritmo irregular e se reduz, em si próprio, num programa juvenil, como a maioria das frágeis obras sobre ‘a primeira vez’. Com o prejuízo, ainda, que o ator Bérnard apresenta claras limitações em sua performance mecânica, de caras e gestos (mal) calculados; ao contrária de Montpetit, bem à vontade como a vampirinha em conflito.

BÉLGICA E TAIWAN – Também falado em francês, mas de origem belga, Está chovendo em casa disse a que veio também já no primeiro dia da Mostra. O filme de Paloma Sermon-Daï foi o vencedor do prêmio do Júri na Semana dos Realizadores no Festival de Cannes e trata de, também, de adolescentes. 

Mas aqui a chave é outra. Afinado com uma ideia que temos do cinema belga (muito em função do legado dos irmãos Dardenne), Está chovendo… nos comunica e nos toca pelo silêncio eloquente e esmagador de Purdey (Purdey Lombet), prestes a completar 18 anos, e do seu irmão de 15, Makenzy (Makenzy Lombet).

Em ‘Está chovendo em casa’, os momentos de silêncio comunicam profundamente

Eles estão vivendo na decadente casa de veraneio da família, no litoral francês, e se deparam com uma situação inédita provocada pela mãe alcóolica.  Constantemente discutindo entre si, como irmãos que se amam em seu jeito particular, Purvey e Makenzy são, por consequência, obrigados a amadurecer instantaneamente.

Se o processo em seu ritmo habitual já é difícil, no contexto de Esta chovendo… é exasperante. Destaque para como Sermon-Daï nos coloca nesse drama. A opção é apoiar-se na excelente dupla protagonista e deixar que seus rostos nos traduzem suas agonias. 

A agonia de Purvey é querer descobrir o amor com o seu namorado de classe alta, a quem clama por um reconhecimento, enquanto, agora, precisa ganhar dinheiro trabalhando como faxineira. 

E a de Makenzy, corpulento como um homem, e tentando agir como um, e, ao mesmo tempo, tentando disfarçar sua fragilidade e confusão como a vivida por qualquer garoto de sua idade com os hormônios pululando e querendo expor a masculinidade. O filme não tem distribuição no Brasil. Vamos torcer para que venha a ter.

Da Taiwan, O amor é uma arma (Ai Shi Yi Qiang) foi apresentado como ganhador do prêmio de melhor primeiro longa-metragem no Festival de Veneza. Escrito, dirigido e protagonizado por Lee Hong-chi, segue a trajetória de Batata Doce (Hong-chi).

Ambientado também numa região litorânea, de Taiwan, onde Batata Doce vive numa também casa decadente deixada pelo falecido avô, o enredo o apresenta como um ex- presidiário que se esforça para tocar uma nova vida alugando guarda-sol na praia, mas é constantemente assediado pelo antigo colega do tráfico de drogas para votar ao crime. 

Em ‘O amor é uma arma’, imagens belas e poéticas não conseguem mascarar a confusão de sua estrutura.

Enquanto tenta se esquivar do passado, também tenta resolver as pendências com a ex-namorada Seven e retomar uma antiga relação com a colega de infância Lin (Patricia Lin). 

Ainda que belo em sua composição visual, O amor é uma arma é confuso no caminho que desenha para si e parece se perder nesse seu trajeto discursivo e narrativo. Mesmo poético em sua ambiência, o filme mostra-se disperso em quase todos os conflitos, com nenhum deles soando realmente valioso para o espectador.

Uma curiosidade é a semelhança de alguns pontos de interseção com Hana-bi: Fogos de artificio (1997), do Kitano, em particular na relação entre fogos de artifícios, armas de fogo e o mar como espaço de purificação.

 

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