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Festivais

33º Ceará (2023) – Memórias da chuva + Alemanha

A revisão humanista de uma política pública no Ceará e a revisão argentina de uma metamorfose juvenil

Por Luiz Joaquim | 27.11.2023 (segunda-feira)

– a cineasta argentina Maria Zanetti debatendo seu filme Alemanha, hoje (27) no Cine Ceará. Foto: Rogério Resende.

FORTALEZA (CE) – A noite de ontem (26) foi de comoção e muitos aplausos em cena aberta no cine São Luiz durante a projeção de Memórias da chuva, documentário de Wolney Oliveira, que exibiu em caráter especial por aqui, fora de competição, neste 33º Cine Ceará: Festival Ibero-americano de Cinema.

Uma boa parte da plateia vinha de Jaguaribara, município a 162 quilômetros de Fortaleza, para conferir o protagonismo de sua cidade neste belo e triste documentário pelo qual Wolney esmiúça os detalhes políticos, técnicos e, principalmente, os sentimentais da população que se viu obrigada a deixar a cidade no início dos anos 2000.

O motivo? A construção de represa Castanhão, cujo obra impactou diretamente a região, alterando o curso das águas e submergindo a cidade sob o propósito de melhorar o fornecimento de água para capital do Ceará.

Numa linha do tempo – que vai de meados dos anos 1980, quando o projeto do Castanhão foi imaginado, até os dias de hoje -, Wolney nos apresenta imagens de arquivo eletrônicas e digitais feitas por amadores. Captadas pelos próprios moradores de Jaguaribara pré-inundação.

São imagens impressionantes, considerando sua natureza amadora, que pareciam moldadas para esse documentário do Wolney, que só viria a existir mais de 20 anos após seus registros. Mas essa sensação não é fruto de um milagre. Ela decorre particularmente da competência na montagem de Tiago Therrien com Wolney.

A boa administração aqui, nesse quesito, é complementada por depoimentos dados nos dias de hoje por personagens determinantes à época da luta que a população de Jaguaribara travou contra o governo Tasso Jereissati. Por esses contrastes do que se prometia na época e do que restou em 2023, fica claro o tamanho das falhas no projeto Castanhão.

Sobre equívocos de um projeto político cujo efeito é de uma violência brutal sobre a memória humana de uma comunidade

E uma das belezas do Memórias da chuva, em sua proposta narrativa, está exatamente em se apropriar da distância temporal entre o projeto da represa e os dias de hoje para mostrar o tanto dos movimentos (políticos) questionáveis que definiram o Castanhão.

No entorno das explicações e motivações políticas, Wolney nos salpicas com os dilacerantes registros dos habitantes saindo em 2001 da velha Jaguabiraba para a nova Jaguabiraba, com distância aproximada de 60 quilômetros entre uma e outra.

O episódio do homem que, acocorado na beira do rio, chorava e se negava a deixar o lugar onde cresceu; a dolorosa situação da transferência dos restos mortais do velho para o novo cemitério; a despedida da idosa que chorava, no dia da mudança, enquanto olhava para sua casa onde criou todos os filhos; do jovem adulto que lembrava claramente do última dia na escola, aos 6 anos de idade, quando beijou as paredes e o portão da escola dizendo ‘eu te amo’. É tudo marca de uma humanidade que os projetos políticos nunca levam em contato em casos como estes. E, por isso, é tocante.

ALEMANHA – Logo depois da sessão do documentário, a cineasta argentina Maria Zanetti, aqui em Fortaleza, apresentou seu belo longa-metragem de estreia. Alemanha acompanha Lola (Maite Aguilar), aos 16 anos, em sua metamorfose própria da adolescência na segunda metade dos anos 1990. O enredo segue como fio condutor narrativo a possibilidade da jovem fazer um intercâmbio escolar na Alemanha.

Uma vez vencida a complexidade burocrática do processo, Lola percebe que as limitações financeiras da família poderão ser um impeditivo para a viagem dos sonhos. Formada pelo pai, mãe, o irmão mais novo e a irmã mais velha – esta bipolar, precisando de caro e intensivo tratamento psicológico -, a família de Lola e o que se passa com a protagonista são rascunhos do que a própria Zanetti viveu na adolescência.

Na entrevista coletiva de hoje (27), realizada ainda há pouco, a cineasta, emocionada, lembrou que escreveu o roteiro durante a pandemia passados apenas cinco meses da morte do irmão.

A conversão do real irmão mais velho numa irmã mais velha para a dramaturgia do filme certamente possibilitou alargar um pouco mais as nuances próprias do que há de feminino na obra.

Lola (Maite Aguilar), sua avó (e) e a mãe: simbiose e delicadezas do feminino.

Entre os segredos que Lola compartilha só com a irmã, além da cumplicidade de ambas com relação aos casos e namoros, ou na delicada troca de carinho entre a protagonista e a avó… tudo combina para a beleza de uma atmosfera única que parece só ser possível de enxergamos em um filme criado por uma mulher.

Como foi dito no debate, Alemanha se resolve bastante bem em muitas camadas dramáticas e sociais que cercam Lola e sua família. São elas a adolescência da protagonista, uma decadência da classe média argentina e os conflitos internos de uma família dessa classe social sob essa condição.

Enquanto exibia aqui no Ceará, na noite de ontem, o filme também estava sendo exibido em um festival na Índia, tendo já circulado pelos festivais de Mar del Plata, San Sebastian, Busan (Coreia do Sul). Aqui no Brasil a primeira exibição ocorreu no Cine Ceará e o título ainda não tem distribuição comercial garantida.

– viagem a convite do festival

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