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Festivais

33º Ceará (2023): Quatro curtas e um filme grego

Curtas-metragens: sobre sutilezas e excessos

Por Luiz Joaquim | 28.11.2023 (terça-feira)

– na imagem, o mediador Bruno Carmelo e os realizadores dos curtas-metragens em competição em entrevista coletiva hoje (28) no festival. Foto de Rogério Resende. 

FORTALEZA (CE) – Pernambuco brilhou ontem (27) na terceira noite da mostra competitiva do 33º Cine Ceará: Festival Ibero-americano de Cinema. E o mérito é todo de Leo Tabosa com seu mais recente curta-metragem, Dinho. Entre os quatro títulos do programa de ontem, Dinho é um dos mais carinhosamente lembrados nos bastidores do festival.

Num cinemascope que enche os olhos do espectador – e a tela gigante do Cine São Luiz é o espaço perfeito para apreciar o formato -, Dinho abre com imagem e som idílicos, de um bucolismo tocante. Já nessa primeira imagem, estampando uma velha ponte sobre um pequeno rio, ladeada por um verde exuberante -, Leo Tabosa diz a que veio. É como um recado: “isto é cinema”. A fotografia luxuosa, que valoriza o Scope, é do igualmente talentoso Petrus Cariry.

Sobre a ponte está Dinho (Juan Calado, do curta Nova Iorque, 2018, de Tabosa). Um menino saudoso que se despede melancolicamente da mãe (Hermila Guedes, também em Nova Iorque). Ela vai a capital enquanto o menino fica sob os cuidados da tia (Renata Carvalho) e se diverte com o melhor amigo, que em breve também partirá para Fortaleza.

Em outras palavras, todos partem e Dinho permanece naquele lugar que, ainda que idílico, é restritivo para um menino que sonha em conhecer o cinema. Assim como o avô (presente no filme apenas como uma memória), Dinho cultiva o interesse pelo encanto do cinema, que ele só acessa pela imaginação. Parte da sua brincadeira com o amigo é imaginar histórias enquanto vislumbra contra o sol uma chapa de raio-x de uma mão.

Dinho (Calado) e o amigo, brincando de cinema.

Dinho, o filme, reforça um dos interesses no cinema de Leo Tabosa que se concentra nos solitários, sensíveis. Aqueles que sonham para muito além do que a vida pragmática lhe limita. Leo cria bons personagens, e Dinho é seu mais novo filho vivendo no isolamento e nele cultivando crescer(viver) pela delicadeza da arte. Vale dizer que assim como o Dinho do filme, ou o Leandro de Nova Iorque, são muitos os espalhados pelos cantos do mundo.

Em Dinho Leo resolve muito bem seu protagonista, mas nos deixa desejando mais sobre os personagens satélites no entorno do garoto – a mãe e a tia. Aqui, ao contrário de isso ser um problema, é, paradoxalmente, um elogio no sentido de que Renata e Hermila fazem um trabalho tão marcante quando contracenam que nos faz querer mais sobre a mãe e a tia do menino.

Sendo um curta-metragem é compreensível que algumas escolhas (e economias) sejam necessárias, mas está mais perto o momento que conheceremos o primeiro longa-metragem do realizador. Antes disso, Leo deve lançar ano que vem outro curta-metragem: o Cavalo marinho, anunciado por ele hoje (28) na coletiva de imprensa.

Após Dinho, o Cine Ceará exibiu As miçangas, de Rafaela Camelo e Emanuel Lavor, que esteve no Festival de Berlim e chegava aqui sob boa expectativa. Expectativa que foi totalmente atendida.

No enredo, duas mulheres (Pâmela Germano e Tícia Ferraz) se isolam numa pequena e decadente casa em meio a vegetação do cerrado no Centro Oeste para efetivar em uma delas um procedimento doloroso em termos físicos e psicológicos.

Pâmela Germano e Tícia Ferraz em cena de “As Miçangas”

As miçangas, conforme Emanuel confirmou em entrevista mais cedo, nos joga falsas pistas para depois revelar o verdadeiro grau de relacionamento entre as duas mulheres cuja aparência propositadamente confunde, pela semelhança, o espectador.

O ponto é que aquilo que se imagina na primeira metade do filme sobre a proximidade das duas mulheres seria muito mais impactante dramatúrgica e psicologicamente tendo em vista o motivo pelo qual elas estão ali.

A falsa pista também aparece na forma de uma cobra, sorrateira e não percebida por elas, que se esgueira pela casa. Aquilo que inicialmente é percebido como uma ameaça concreta à vidas das duas, ganha uma simbologia belamente tratada, de retorno à paz, no ato final de As miçangas.

O carioca Aquela mulher, de Marina Erlanger e Cristina Lago, foi o curta que abriu o programa da noite. Apresenta a preocupada e grávida personagem Camila, ao lado de sua companheira, em tentar fechar as contas de seu restaurante falido no subúrbio do Rio de Janeiro. A chegada de uma senhora coloca em questão a postura de Camila diante dos problemas financeiros e da vida pessoal e, aqui, também o filme se apropria de uma falsa pista para revelar quem é essa personagem invasiva. O impacto não é forte, mas é bonito o suficiente para revelar o grau de envolvimento dessas três mulheres.

O último curta da noite, o alagoano Lapso, de João Herberth, nos apresenta Daniel, viúvo vítima de uma acidente de carro que busca vingar-se do culpado pelo acidente. Herberth procura criar um clima tenso no interior do protagonista mas não há sutileza (ou há pouca) em seu tratamento. O que há de rebuliço interno no personagem é totalmente colocado para fora por palavras narradas em off, complementadas, ainda, por uma constante trilha sonora que não dá muita liberdade para o espectador fazer suas próprias inflexões e leituras sobre o filme e sobre a postura que o protagonista expõe. Tudo está dado. E ainda sublinhando com caneta marca-texto.

O encadeamento de As miçangas, usando brilhantemente a força da imagem, seguido pela projeção de Lapso, dependente de um excesso de oralidade para apresentar o seu ponto, soou até como uma provocação da curadoria do Cine Ceará.

Efthymia Zymvragaki em foto de Rogério Resende

LONGA-METRAGEM – A noite de segunda-feira viu apenas um longa-metragem exibido na competitiva Ibero-americana. O documentário Agora a luz cai vertical (Ara La Llum Cau Vertical) é uma coprodução entre a Espanha, Alemanha, Itália e Holanda, sendo a diretora Efthymia Zymvragaki de origem grega, mais precisamente da ilha de Creta.

O filme segue a diretora em seu retorno, mais de 20 anos depois residindo na Espanha, a Creta para, a pedido, registrar em filme a história de violência doméstica, abusiva contra a esposa, pela ótica do abusador.

A premissa é mais do que provocadora e apresenta seu protagonista fazendo um retrospecto de seus atos doentios enquanto escutamos a contextualização de Zymvragaki, por uma narração em off.

O tom é poético, assim como as opções visuais do filme, e o sumo que fica de Agora a luz cai vertical é o da investigação psicológica (Zymvragaki tem formação em psicologia) sobre uma mente perturbada e como aquilo afetou a própria cineasta, impactada também pelo seu retorno à Creta.

Zymvragaki, infelizmente, não passou bem na manhã de hoje e não pôde comparecer na entrevista coletiva.

– viagem a convite do festival

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