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Festivais

33º Ceará (2023): “Sou Amor” e quatro curtas

Sobre a fluidez sexual da juventude contemporânea e as, ainda, provações a serem vencidas

Por Luiz Joaquim | 01.12.2023 (sexta-feira)

– na foto de Rogério Resende, o diretor Crizz Azzi (d) e o elenco de seu filme Sou Amor.

FORTALEZA (CE) – A última noite, ontem (30), da mostra competitiva do 33º Cine Ceará: Festival Ibero-americano de Cinema iniciou com uma homenagem a Josafá Ferreira Duarte, que poderíamos apresentar como o equivalente cearense ao pernambucano Simião Martiniano (1933-2015). Realizador autodidata, atuante em sua região, a cerca de 200 quilômetros de Fortaleza, Josafá e autor de obras naïf e verdadeiramente apaixonadas pelo cinema. O homenageado foi calorosamente aplaudido no Cine São Luiz

E para abrir a competitiva de curtas-metragens da noite veio a animação alagoana Diafragma, de Robson Cavalcante, um trabalho que se apresenta bonito em sua capacidade de síntese e de nos envolver com a trajetória do menino protagonista. Ele é Carlos, cuja relação com o seu próprio olho e apresentada, desde a primeira infância, ludicamente até ter de encarar a possibilidade de ficar cego. Diafragma é o típico trabalho que procura apresentar a aspereza da vida por uma beleza criativa. Não é fácil, e Cavalcante marcou o seu ponto aqui.

Na sequência, foi bom ver o veterano paraibano Torquato Joel de volta à tela (e afiado), com o cuidadoso documentário-manifesto Pulmão de pedra. Aqui, Torquato apresenta o minerador Joãozinho em seu ofício, quebrando pedra a marretadas numa caverna enquanto se envenena com a poeira decorrente da prática insalubre. O diretor brinca com o desenho de som do filme para cobrir e equilibrar imagens poéticas daquele ambiente belo e assustador ao mesmo tempo. Mas Torquato não deixa também de apontar, pela narração em off do personagem, o deprimente destino de seus colegas que perdem o pulmão pela recorrência da poeira própria daquela ação.

O personagem Joãozinho em “Pulmão de Pedra”

O cearense Os finais de Domingos, levantou a plateia do auditório, vibrando com a presença do cantor e ator local Rodger Rogério (o violeiro sorridente de Bacurau). Ele é um homem idoso, gay, com baixa visão, que vive em solidão profunda entrecortada pelas memórias de um grande amor do passado (Oz Dias) que o “visita” eventualmente. O diretor Olavo Júnior empresta melancolia em boa dose ao filme que brinca com o foco e o desfoco para nos deixar na atmosfera limitadora do protagonista. O senão fica por conta da trilha-sonora, um tanto presente demais durante o filme.

O melhor curta-metragem da noite veio de Minas Gerais e, curiosamente, com o mesmo título de um outro curta (este alagoano) exibido aqui na segunda-feira (27): Lapso. O mineiro, dirigido por Caroline Cavalcanti, mostra o encontro de Bel (Beatriz Oliveira) e Juliano (Juan Queiroz). Ela, prestes a fazer 18 anos, é uma skatista surda que é detida por vandalismo e obrigada a cumprir medidas socioeducativas numa biblioteca por seis meses. Lá está Juliano, pelo mesmo motivo, e ambos iniciam um romance, com ele precisando aprender Libras para conquista-la. A beleza de Lapso está em colocar a condição auditiva de Bel em segundo plano. Ela não é aqui vitimizada por isso, mas o é pela sua condição de menina preta e pobre cujo tratamento repressor esta cristalizado na sociedade.

LONGA-METRAGEM – Quando o ator Juan Queiroz, de Lapso, ia descendo as escadas de palco no Cine São Luiz após apresentar-se em nome do curta-metragem, o cineasta mineiro Cris Azzi, da plateia fez um gesto com a mão para ele permanecer por ali e não voltar ao seu assento. Isto porque Azzi, junto a André Amparo (ausente no Cine Ceará) sabia que seria o próximo a ser chamado ao palco com a equipe do seu Sou amor, longa também mineiro que encerrou a mostra competitiva desta edição.

Queiroz, no longa, interpreta Marcelo, o irmão do protagonista Robson (FLIP). Ambos saem da região de Luisburgo para morar em Belo Horizonte com a avó (Rejane Faria, de Marte um), que possui limitações para enxergar.

A mudança é impulsionada pelo violento conflito entre Robson e o seu pai, e pela fé de sua mãe que o filho, com um acompanhamento psicológico na capital, possa ser resgatado, conforme ela pensa, à “normalidade” por uma “cura gay”.

No meio desse vendaval psicológico, Robson trafega certo em suas convicções, ainda que vítima constante da brutalidade que o persegue na escola e nas ruas da periferia belo-horizontina. A vigilância e punição o persegue até pela figura de Marcelo, o irmão mais novo, que vive num confuso momento de afirmação da masculinidade.

Cena de “Sou Amor”, como Eduarda Fernandes (e) e FLIP.

Como fio condutor do todo no enredo, uma dúvida assombra Robson impedindo que dê o salto maior nesse processo, ou seja, dar corpo (feminino), por hormônios, aquilo que ela já é no seu interior.

Sou amor tem em seus maiores méritos (a) o jovem e muito à vontade elenco – e é importante colocar nessa conta a atriz Eduarda Fernandes, de Luna, longa anterior de Azzi. E (b) a capacidade de sintetizar a ideia de fluidez sexual na juventude de hoje, sugerindo, no filme, não estabelecer uma autodefinição determinante sobre a orientação de cada um deles.

Não é um tema fácil, mas Azzi e Amparo parecem conhecer bem como caminhar cinematograficamente por esse delicado terreno, claramente apoiados pelo certeiro elenco. Destaque para FLIP, cuja presença na tela é gigante com a sua beleza física e a melancolia de seu personagem, que insiste em moldar a tristeza em seus olhos.

viagem a convite do festival

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