
Sorry, Baby
Um pedido de desculpas para quem vem aí
Por Bia Zasso | 13.12.2025 (sábado)
Somos feito de carne, osso e traumas. A frase tem certo impacto e a escolha por utilizá-la na abertura deste texto tem um motivo muito claro: a estreia na direção de longas-metragens da atriz Eva Victor não é um acalento para as marcas que a vida nos dá. Ela é um convite para reconhecer nossas dores e não nos cobrarmos a tão falada (e presente no cinema) superação. Isso porque Sorry, Baby (EUA, 2025) tem como tema central não o crime cometido contra a protagonista, Agnes, interpretada pela diretora, mas como, a partir dele, sua vida ganha um novo ritmo e seus desejos e sonhos passam por uma transformação.
A escolha por nos apresentar a condutora da história ao lado da melhor amiga, Lydie (a ótima Naomi Ackie), em um momento um pouco mais tranquilo de sua trajetória mostra o talento de Victor para conquistar o espectador sem precisar apelar para a compaixão. Conhecemos uma Agnes perspicaz e divertida, que se diverte deitada no sofá comentando sobre a insegurança dos homens na hora do sexo ou discutindo sobre seu trabalho como professora do departamento de Letras da universidade. Aliás, é nesse departamento que ela faz o que mais gosta, mas também é obrigada a estar num espaço que já foi de seu antigo orientador. Ela poderia pedir para ser alocada em outra sala, mas não o faz. Agnes não demoniza seu abusador, preferindo questionar o porquê de seu comportamento. A reação natural de desejar sua prisão dá lugar a uma mulher que gostaria que aquele homem pensasse sobre seus atos com a mesma atenção com que se dedica a ler grandes nomes da literatura norte-americana.

‘Sorry, Baby’ não fala de superação, mas de convivência com a dor.
Livros são quase personagens coadjuvantes em Sorry, Baby. Agnes lê Joan Didion, Lydie suspira com as linhas de James Baldwin e há uma aula sobre Lolita, de Nabokov, onde um aluno se mostra incomodado com as descrições do narrador. A sensibilidade presente em romances e poemas parece não ser um filtro para se confiar em um homem. E talvez seja essa uma das perguntas que rondam a mente de Agnes. É importante frisar aqui que a protagonista possui um figurino extremamente inteligente, com roupas largas e que flertam com elementos comumente associados ao guarda-roupa masculino. Ao preencher uma ficha, ela desenha uma linha de ida e volta entre os gêneros masculino e feminino. Agnes não se encaixa no tradicional e sua maneira de encarar o grande drama de sua vida também não. E talvez seja por isso que acompanhar sua jornada seja uma experiência intensa e melancólica, diferente das propostas vistas em outras produções que falam sobre o estupro e suas consequências.
O baby do título não é à toa. Lydie anuncia com alegria sua gravidez para Agnes, sabendo que a amiga é parte daquele momento. Há o contraste de uma mulher feliz diante de uma gestação desejada com a cena do hospital, onde um médico sem o mínimo de preparo trata a possibilidade de Agnes estar grávida como quem avisa que vai chover. Aqui, o viés da comédia fica evidente, mas a inteligência do roteiro promove um riso cansado, especialmente das espectadoras. Ser mulher é saber que perguntas delicadas nem sempre serão feitas de maneiras delicadas. E, ao que parece, é assim com todas, sejam pouco instruídas ou com pós-graduação. Nenhuma de nós escapa. E é essa e outras descobertas de Agnes que guiam a trama, um mergulho na mente de alguém que passou por algo brutal. Brutal ao ponto de não ser realizado em um cenário de beco escuro e por alguém com cara de poucos amigos, mas em uma casa bem iluminada e por alguém que conhece bem o significado das palavras, mas parece não conseguir dar um retorno correto ao “não”. A “conversa” entre Agnes e a filha de Lydie contem um pedido de desculpas muito significativo. Aquela menina pequena e frágil, ainda aprendendo a se comunicar, talvez passe pelo que Agnes passou. A culpa não é nossa, mas ainda assim pedimos perdão pelo que aguarda as novas gerações. Estamos tentando mudar as coisas, mas é uma guerra antiga.

Uma estreia segura, melancólica e profundamente política.
Com uma trilha sonora precisa e um minimalismo cênico, Eva Victor demonstra segurança na direção e domínio do que acredita que seja o essencial a ser mostrado. A cena do crime ser apenas sugerida e depois descrita com muita sutileza por Agnes em uma das melhores cenas do longa, aumenta a curiosidade do que virá na sequência da carreira atrás das câmeras desta jovem realizadora, que também entrega ótimos textos para a revista The New Yorker. Mais um sinal de que a literatura deve ser uma constante em suas obras. Vamos aguardar ansiosos pelos próximos livros e as próximas grandes mulheres que ela vai criar.















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