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Críticas

Men: Faces do Medo

Eva vingada ou A nova Gênesis

Por Luiz Joaquim | 05.09.2022 (segunda-feira)

Chega aos cinemas já nesta quarta-feira cívica – 7 de setembro –, com sua estreia agendada para o dia posterior, Men: Faces do medo (Men, GB, 2022). É a terceira e nova peça que acrescenta bom valor à ainda recente carreira do inglês Alex Garland, 52 anos, como diretor de longas-metragens.

Todos conhecem Garland por aquela que foi a sua primeira assinatura como diretor, o provocador Ex-machina: Instinto artificial (2014). Mas, já no segundo trabalho, o cansativo Aniquilação (2018), o realizador deu um passo atrás por um excesso de metáforas tanto visuais quanto temáticas.

Não se engane, porém, o desavisado quanto a experiência do cineasta. Garland já está no métier desde 2000 quando o seu romance, A praia, foi adaptado para uma versão com som e imagem pelas mãos do conterrâneo Danny Boyle e estrelado pelo mega star Leonardo DiCaprio.

Desde ali se percebia o seu interesse por um enredo que se veste de um contexto particular para dar voz a uma dimensão existencial maior, no que concerne à condição humana.

E, como na Copa Mundial de Futebol, passados cada quatro anos entre um título e outro, o cineasta nos oferece, agora, Men (‘homens’, em inglês), que, pelo título, em 2022, já adianta quem são os vilões quando sabemos ser a protagonista a jovem Harper (a sempre competente Jessie Buckley, de A filha perdida), que vai para uma solitária casa de veraneio no interior da Inglaterra após a morte do seu marido (Paapa Essiedu).

Ainda que traga um título óbvio – com o subtítulo da versão brasileira mostrando-se classicamente desnecessário –, e antes que o embaço visual provocado pela herança machista estimule uma implicância masculina com Men, vale deixar marcado que esta nova metáfora de Garland está no patamar daquilo que o festejado Jordan Peele (Corra!; Nós; Nâo, não olhe!) dá ao mundo em forma de filmes para levantar a voz contra o racismo, sendo o alvo, no caso do cineasta britânico, a misoginia.

A comparação é válida se consideramos não apenas as ferramentas usadas pelos dois cineastas – a elaboração de uma problemática social real transubstanciada em forma de thriller fantástico com aroma de pipoca –, mas também o resultado envolvente, assustador e legitimamente marcante como algo representativo de nosso tempo social e artístico.

Harper (Buckley) buscando paz e encontrando novos problemas.

O FILME – O enredo de Men alterna os últimos momentos em Londres de Harper e o seu falecido marido com o tempo presente da personagem de sua temporada numa paradisíaca e isolada casa de campo britânica. ‘Paradisíaco’ não é um adjetivo aqui usado à toa. Pode-se dizer que Men sugere, pretensamente, é verdade, uma reescrita do bíblico Gênesis.

E não é por menos que a fotografia de Rob Hardy capricha em extrair imagens deslumbrantes em sua simplicidade da natureza na área rural de Withington, quatro horas à Oeste de Londres. O deslumbre em imagens abre o filme com Harper dirigindo seu Ford Fiesta em direção à Withington e com a protagonista conhecendo a mansão que alugou para esquecer o trauma da recente viuvez e dos abusos que sofria do falecido marido.

Na sequência, somos imersos na vegetação dominante da região por uma caminhada da moça pelas redondezas. Aqui, Garland, espertamente, deixa sua personagem (com seus espectadores pegando carona) se encantar pelo bucolismo, numa bem vinda sequência estranhamente longa e coerente em sua intenção de fazer a protagonista e nós sermos inundados por algo próximo à ideia de paraíso.

E se a cor do paraíso é a verde, a do inferno é a vermelha. O tom rouge, por exemplo, é o predominante nas sequências que nos levam ao passado, quando a protagonista vivia sob o reino do terror do marido.

Harper em discussão surreal (mas não para alguns homens) com o seu marido no inferno da opressão masculina.

Mas, de volta ao presente, no paraíso, temos logo uma dica de que algo não soa bem naquele Éden. A dica vem pela boca de Geoffrey (Rory Kinnear), o falsamente simpático senhorio que aluga o casarão: “Não. Você não deve fazer isso: a fruta proibida”, diz ele apontando para a maçã colhida e mordida por Harper antes dela entrar na casa pela primeira vez (veja no trailer).

Na verdade, naquela locação, naquele paraíso onde chega uma mulher – todos os residentes locais são homens –, os problemas começam a acontecer após a mordida na fruta bíblica. Mas Men nos faz sofrer com esses problemas pela perspectiva da real vítima da história, no caso Harper, e não pela perspectiva do policial, que liberta um perseguidor pelado que aterroriza a veranista, ou pela perspectiva do padre daquela paróquia, que tenta convencer a moça sobre sua responsabilidade no suposto suicídio do marido. “O que foi que você fez?”, pergunta, frio, o pároco.

“Mas o que foi que você fez para que o seu marido cometesse suicídio?”, pergunta o padre.

Aqui um parêntese para a hipnótica sequência no interior da igreja, antes do encontro com o padre, que culmina no ápice daquilo que a trilha sonora de Geoff Barrow e Ben Salisbury vem sutil, mas marcadamente construindo no filme: uma espécie de sinfonia de lamentos que lembram pequenas lamúrias para desaguar, concomitantemente, num grito-desabafo, a plenos pulmões, de Harper.

Ou seja, nessas representações, Garland acentua que nem a lei nem a religião, duas instituições matrizes da civilização como a conhecemos, enxergam ou reconhecem a real dor, o sofrimento e a fragilidade experimentadas por uma mulher sob a importunação de homens.

Nos trechos das discussões que antecedem a morte do marido, Garland constrói diálogos perfeitos em seu poder ilustrativo do que seria uma relação tóxica com o homem se vitimizando para exigir da mulher o que ela simplesmente não pode dar. Tudo em nome de seu “amor” por ela.

A diferença aqui está na postura de Harper, que revida. É assim também no desfecho de Men, após uma batalha contra a misoginia – batalha que, é bom dizer, visualmente pode provocar um embrulho no estômago do espectador mais sensível. Uma misoginia que insiste em renascer nos e dos homens (algo que, literalmente, vemos no filme).

Apenas quando Harper recebe a amiga Riley (Gayle Rankin) de Londres, com algo no ventre é que, podemos pensar, quem sabe, algo pode dar um novo rumo àquele paraíso (à humanidade) graças a sororidade e, talvez, sem homens ali e dali por diante.

O que nos leva a um determinismo um tanto simplório, a de que o paraíso só seria legítimo sem a presença dos homens. Bem… essa é uma outra história que Men não nos permite discutir e é aí que talvez resida sua única fragilidade, principalmente quando lembramos que o filme foi escrito e dirigido por um homem.

 

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