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Críticas

Wall-E

Tecnologia que ama

Por Luiz Joaquim | 26.06.2008 (quinta-feira)

Enquanto Homem de Ferro, Indiana, Hulk e, em breve, Batman chegam fazendo estardalhaço e gritando, até a veia pular, por atenção num mercado cinematográfico abarrotado de “o melhor filme do ano” a cada semana, a Disney e Pixar aportam hoje também neste mercado, mas com um postura diferente. Chega com a mesma discrição de sua nova cria. Assim como faz o robozinho lixeiro no filme que leva seu nome, “Wall-E” (EUA, 2008), a produção mostra seu rosto de forma cautelosa e demonstra que possui potencial para virar uma referência eterna no nicho da animação digital.

Referência nem tanto pela técnica (e também por ela), mas particularmente pelo discurso revigorante, considerando-se a fadiga causada pela fórmula lançada por “Shrek” lá em 2001 e hoje desgastada, cansada e recauchutada de forma entediante em dezenas de animações digitais.

Pode ser precipitado por agora dizer, mas vale a lembrança que, até hoje, desde 1982, com a obra-prima infantil de Spielberg – “E. T. – O Extra-Terrestre” – o público mirim não tinha conhecido uma coisinha tão carismática quanto Wall-E. Pensando bem, não pode ser à toa que o design deste lixeiro de lata enferrujada tenha a aparência tão próxima ao do monstro que surgiu no cinema há 26 anos com seu coração brilhante.

Wall-E é pequeno, tem os olhos grandes e trites, balbucia algumas palavras com voz desafinada, estica seu pescoço quando precisa, é atrapalhado e tem no lado esquerdo do peito o indicador brilhante de sua carga de energia. É solitário, exceto pela companhia de uma barata, e já vive sozinho na Terra há 700 anos desde quando o planeta foi abandonado pelos humanos. Por alguma razão, Wall-E continou lá fazendo aquilo para o qual foi programado: compactar lixo. E só.

Até que uma visitante do espaço – uma robô fêmea, 700 anos mais jovem que Wall-E – chega à Terra para escanear o planeta em busca do que há (ou havia) de mais valioso ali. Seu nome é Eva (bem apropriado). Ela, com seu design futurista e graciosidade nos movimentos, é vista pelos olhos de Wall-E com paixão mecânica.

Nesta primeira parte do filme, há uma melancolia cujo gosto agridoce está exatamente no contraste do autômato ultrapassado, romântico e solitário que tenta a todo custo agradar e proteger sua amada, jovem e sofisticada, em busca apenas da concretização de sua paixão, que seria entrelaçar sua ‘mão’ na dela. Essa representação do amor, à propósito, vem das imagens que Wall-E via no seu videocassete (videocassete mesmo) do musical “Hello, Dolly!” (1969).

No filme, essa relação com o passado, ou melhor, o respeito por ele, extrapola não só as referências com o cinema ‘antigo’ – “2001 – Uma Odisséia no Espaço” (1968) é outra link explícito em “Wall-E” -, mas ressalta também a prática de um olhar carinhoso para coisas largadas pelo tempo. Aspecto que pode ser conferido inclusive no encerramento do filme, quando uma série estilos utilizados pela pintura ao longos dos anos emolduram os créditos finais.

Em seu trabalho de catador, o lixeirinho enferrujado separa com interesse coisas que acha curiosa e guarda para, na hora do descanso, entendê-las melhor. É assim com um cubo mágico, com um tele-jogo, um isqueiro, uma lâmpada ou até mesmo um plástico-bolha.

Num segundo momento, “Wall-E”, o filme, avança para um ambiente modernizado e encontra os humanos, todos gordos e emburrecidos pela automatização da vida em sociedade. Aqui o ritmo ganha outra velocidade e a crítica não é nada sutil. Numa só tacada, este filme de Andrew Staton (o mesmo de “Procurando Nemo”), não só saculeja o espectador para sua própria saúde, como também para a saúde do planeta, sem soar professoral.

Com a proposta de um personagem solitário, e com pouquíssimos diálogo “Wall-E” mostra-se cinema de primeira grandeza, com todas as estratégias do roteiro apontadas para soluções que são próprias da linguagem cinematográfica. Com a ausência de diálgos, a trilha-sonora e o som são fundamentais no ritmo, assim como o desenho de produção, que ressalta nos olhos os grandes espaços que sugerem tanta solidão na vida de um anti-herói tão calejado de ferrugem.

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