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Críticas

O Lutador

A ternura de uma fera

Por Luiz Joaquim | 13.02.2009 (sexta-feira)

Dizem que o elefante, quando muito velho, se afasta da manada para morrer solitário. É um mistério da natureza que cientistas ainda não compreendem a razão, talvez por não existir racionalidade que explique. Vendo “O Lutador” (The Wrestler, EUA, 2008), com estréia nacional hoje, a sensação que se tem ao ver o triste personagem do ator Mickey Rourke (56 anos) – como o ex-campeão de luta livre Randy “Carneiro” Robinson – é exatamente a de olhar para um elefante moribundo, auto-exilado na melancolia de ter de morrer abandonado.

Na verdade, não é só pelo destino triste que enxergamos o bacana e esquecido Randy na pele de Rourke. O ator, famoso nos anos 1980 pela beleza, charme e talento – que o fizeram ser comparado a um futuro Marlon Brando -, traz na aparência em “O Lutador” a imagem de uma figura maltratada e sofrida. O que, de fato, aconteceu na vida do ator.

Para o mundo, Rourke era apenas mais um rosto bonito em Hollywood que ganhou projeção com seu primeiro papel protagonista, como o sedutor executivo de “9 ½ Semanas de Amor” (1986). O rapaz, entretanto, buscava reconhecimento pelo talento, tanto que até chegar ali – estreou com “1941: Uma Guerra Muito Louca” (1979), de Spielberg – passou pela mão de gente como Michael Cimino (“Portal do Paraíso”, 1980), Lawrence Kasdan (“Corpos Ardentes”, 1981), Barry Levinson (“Quando os Jovens se Tornam Adultos”, 1982) e Francis Ford Coppola (“O Selvagem da Motocicleta”, 1983).

No mesmo ano que enlouqueceu Kim Basinger em “9 ½ Semanas…”, outro sucesso: agora ao lado de Robert De Niro que o contrata como detetive em “Coração Satânico” para encontrar uma alma perdida. A partir daí, perspectivas de bons papeis surgiram, mas Rourke queria desvincular a imagem de bom moço e bonitinho, que Hollywood lhe oferecia.

Decidiu então arriscar em personagens, por assim, dizer outsiders, como o matador irlandês de “A Prayer for The Dying” (1987), ou o bêbado de “Barfly” (1988), no qual contracena com Faye Dunaway, até a conseguir produzir um roteiro que havia escrito sozinho há anos: “Homeboy”(1988, de Michael Serasin, fotógrafo de “Coração Satânico”). Falava sobre a vida de um boxeador. A idéia era fazer no filme tudo o que Rourke não conseguira, ou seja, ser realmente um lutador de boxe profissional (o que ainda iniciou nos anos 1990). O filme não deu certo e depois de seu último trabalho interessante, como São Francisco de Assis em “Francesco” (1989), dirigido pela italiana Liliana Cavani, deu-se início a sua derrocada a partir do pobre “Orquídea Selvagem” (1989), fazendo sexo tipo ‘B’ com Jacqueline Bisset num exótico Rio de Janeiro.

Foi uma frustrada tentativa, a contragosto do ator, de resgatar a carreira a partir de seu papel mais popular até então, o sedutor de “9 ½ Semanas..”. A essa altura, Rourke já começara um processo de cirurgias não para embelezar-se, mas para ganhar traços mais fortes e menos delicados, em função de querer se impor pelo talento. Daí por diante, a carreira foi descendo até chegar ao fundo do poço e retornar discretamente em 2005 com “Sin City”, sob pesada maquiagem.

Em “O Lutador” personagem se confunde com ator, não só pelo interesse de Rourke em lutas, mas pelo processo de depressão que vivenciou – chegou a depender da ajuda de amigos para poder comer. Confunde-se também pelo fato de o filme “ser” Rourke. Sua presença na tela é magnética, e essa fusão de sofrimento entre ator e personagem parece só lapidar a história que corre na nossa frente.

O CARNEIRO
Badalado desde setembro, quando foi ovacionado e premiado no Festival de Veneza, para em seguida arrebatar o Globo de Ouro, em janeiro, de melhor ator dramático para Rourke (e com indicação ao Oscar para ele e Marisa Tomei, atriz coadjuvante), “O Lutador” chega com moral para conquista o espectador.

É um filme simples e comovente, sempre liderado pelo absoluto carisma de Rourke se arrastando pelos quantos da tela. O magnetismo de sua figura é muito forte, e Aronofsky reforça ainda mais esse traço. Ele próprio já declarou em entrevista que o ator é o profissional mais doce com quem trabalhou, extraindo emoções que ele próprio não saberia onde conseguir encontrar.

Randy foi, há duas décadas, o grande astro de luta livre. Com a idade, passou a fazer espetáculos humilhantes que não o permitem nem pagar o aluguel do trailer onde mora sozinho. Odiado pela filha (Evan Rachel Wood), procura acalento com uma streeper (Marisa Tomei – com seus inacreditáveis 45 anos), e fazer dinheiro trabalhando num supermercado, atrás do balcão de frios.

Depois de um ataque cardíaco, é obrigado a parar com a única coisa que sabe fazer, lutar, até receber a tentadora e fatal oferta de participar de uma luta revanche após 20 anos.

O enredo de “O Lutador” é modesto e nada novo. A própria estrutura do roteiro é esquemática: apresenta o personagem, lhe dá um alento, lhe tira o alento e o coloca numa situação limite. O que há de hipnótico aqui é exatamente a presença maciça de Rourke, expondo suas marcas reais, adquiridas em vida, dando uma idéia quase que documental de um homem esquecido pelo mundo.

Ao seu lado, está a personagem de Tomei (totalmente entregue), que também trabalha com o corpo e vê nele não só seu ganha-pão, mas uma verdadeira prisão para a liberdade de sua vida afetiva. Há tanta amargura nesses dois personagens, em Rourke em particular, que não há como deixar de se comover com este elefante que prefere se retirar para a morte.

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