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Reportagens

Lordello abre a porta para um outro entrar

Filmagens de Eles Voltam

Por Luiz Joaquim | 01.03.2010 (segunda-feira)

Já se tornou peculiar do cinema pernambucano o modo “guerrilha” de filmar. Em outras palavras, reunir equipe com dezenas de técnicos e atores, agregar parceiros de produção e realizar. Mesmo sem a certeza de contar com recursos para a finalização do filme. Não se pode dizer que esta é uma forma tranqüila para se fazer um filme, mas é a forma que move a produtora Trincheira Filmes, entre outras no Estado.

A Trincheira já está chegando ao final das gravações de “Eles Voltam”, primeiro longa-metragem de Marcelo Lordello (de “N° 27”, curta selecionado no 41° Festival de Brasília em 2008), que investiga agora as transformações em Cris (MaluTavares), uma menina de classe média alta que, aos12 anos, se vê abandonada pelos pais numa região litorânea de Pernambuco e, na busca por ajuda para reencontrar a família, termina por conhecer um novo universo humano que irá fazê-la amadurecer.

Como aconteceu em 2005 com “Amigos de Risco”, de Daniel Bandeira, “Eles Voltam” nasceu da intenção de criar um curta-metragem. Foi premiado com o concurso de roteiros Ary Severo, da Prefeitura do Recife em 2006 (R$ 80 mil, menos impostos) e, ao longo destes anos, teve seu roteiro expandido para ganhar corpo de um longa.

“Três anos se passaram do primeiro tratamento do roteiro ao que temos hoje. Outros questionamentos foram se agregando à história nesse período; e ter feito ‘N° 27’ antes meu deu um lastro para entender e ratificar alguns aspectos estéticos fundamentais para ‘Eles Voltam'”, conta Lordello. “Com ‘N° 27’, tratávamos essencialmente da solidão e da sobrevivência. Enquanto curta, ‘Eles Voltam’ também ia por esse caminho; seria concluído abruptamente e se resolveria assim mesmo. Mas entendi que ‘N° 27’ já me satisfez nesse aspecto. O novo projeto, como um longa, tem uma nova dimensão que quer conhecer e deixar o outro entra na vida da protagonista”, diz o cineasta.

Sobre esse novo interesse do diretor, perguntamos se havia alguma relação com seu casamento e nascimento do filho Joaquim dentro desse mesmo período de três anos, ao que Lordello respondeu, sorrindo, que “sim, talvez”.

O diretor de fotografia cearense Ivo Lopes – que já trabalhara com Lordello no curta “Vigias” (2009) -, conta que, apesar da facilidade do pré-mapeamento estético feito em ‘N° 27’, o que torna desafiador no trabalho de ‘Eles Voltam’ é o afinamento de seu tom durante a própria filmagem. “Eu e Marcelo temos uma sintonia na decupagem, e ele é muito seguro do que quer. O filme está todo na sua cabeça mas, às vezes, a dificuldade é tirá-lo de lá”, brinca Lopes. Ele adianta que também há aqui um interesse em planos fechados mas, ao contrário do que se imagina por estarem filmando muito na praia, sua fotografia não opta pelo alto contraste.

Além de utilizar uma filmadora digital Sony EX1 (da produtora Plano 9, que apóia o filme junto a D7 Filmes), a equipe também trabalha com uma câmera fotográfica Canon, que filme em FullHD a 24 frames por segundo, ótima para sequências com pouca iluminação e prática para as subaquáticas.

Além de gravar no Recife, “Eles Voltam” teve também como locação um assentamento dos sem-terra, em São Lourenço da Mata. Semana passada, usou as casas do Residencial Muro Alto, na praia homônima, e ainda gravará em Tamandaré e Itamaracá, num hotel desocupado.

O elenco conta com poucos atores profissionais. Entre eles está Germano Haiut (de “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias”) e a artista plástica Tereza Costa Rego, como avô e avó de Cris. A propósito, uma figura essencial para dar corpo ao discurso do filme é a da protagonista Malu Tavares, estudante da 7ª série do ensino fundamental. No pouco tempo em que a reportagem acompanhou as filmagens, quinta-feira passada em Muro Alto, foi possível perceber sua segurança e tranqüilidade no set.

“Não pensamos muito em teste de elenco. Estávamos mais atentos à energia de possíveis candidatos a atores”, conta o assistente de direção Leonardo Lacca. “Conheci Malu ainda em 2008, quando estava num evento de lançamento da coleção feita pela sua mãe, a estilista Jéssica Tavares, que é amiga de minha esposa (Carol Monteiro, também estilista e figurinista de “Eles Voltam”), lembra Lordello; e complementa: “Malu é entusiasmada, dedicada e tem uma forte presença em cena. O que mais me impressiona é sua compreensão das coisas e como ela transforma isso em atuação”, ressalta o cineasta.

A preparadora de elenco Amanda Gabriel, que vem trabalhando com a menina desde 2009 no desenvolvimento de seu personagem, diz que a própria Malu os alimentou ricamente. “Não só confirmando características pensados para Cris como também atualizando-as para os dias de hoje”.

Malu, tranqüila, conta que não teve receios quando aceitou o convite. Diz que já curtia cinema e de chato no trabalho só mesmo a preparação do set. Nem de repetir 15 vezes a mesma cena ela reclama. Isso sem falar que ainda é obrigada a fazer, nos intervalos das filmagens, o dever da escola que seu pai envia por e-mail. Feliz por ter feito uma cena subaquática na praia, Malu diz que, por ela, continua fazendo cinema.

Se depender do esforço da Trincheira e das 40 pessoas envolvidas em “Eles Voltam”, seu desejo se realiza. A produtora executiva, Mannu Costa, conta que além do apôio dos bombeiros e da Gerência de Polícia Criança e Adolescente (GPCA), já está negociando novos apôios com empresas privadas. “Queremos também inscrever o projeto em outros editais, como o de Baixo Orçamento do Ministério da Cultura, no segundo semestre”, aposta.

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