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Festivais

12o. Bafici (2010) – dia 2

O valor da palavra e o vazio do silêncio

Por Luiz Joaquim | 09.04.2010 (sexta-feira)

Às vezes parece quase um axioma da crítica de cinema encarar o silêncio como um parâmetro estético mais incisivo do que o blablablá. O segundo dia do Bafici mostrou vertentes diferentes desse conceito. Enquanto “Reading the book of blockade” sugere reflexão densa a partir de texto que nunca termina, “The ape” se insinua como um desses filmes de laboratório, feito talvez numa oficina de roteiro, onde a criatividade é limada em detrimento de fórmulas estáticas.

No documentário “Reading the book of blockade”, o autor russo Alexander Sokurov oferece exatamente o que o titulo promete: 95 minutos da leitura da publicação, que fala sobre o bloqueio a Leningrado, durante a Segunda Guerra, escrito por Ales Adamovich e Daniil Granin.

No começo do filme, o diretor explica o conceito que norteia seu trabalho, falando sobre seu interesse em encontrar pessoas que lessem trechos do livro escolhidos por elas mesmas, como excertos literários que tivessem importância pessoal.

Talvez seja esse detalhe que amplie o leque de interpretações para o filme. Imersos nessa narrativa minimalista que se resume a um grupo de pessoas narrando trechos de um livro, é possível cogitar hipóteses diversas. Às vezes as elas parecem assumir aquelas histórias como suas, ou recitam partes que de alguma forma se confundem com suas lembranças íntimas.

No fim, parece mais um trabalho que embaralha os limites entre encenação e o que forçosamente chamamos de “real”. Sokurov parte para explorar seu conceito e volta nas mãos com um objeto filmado não identificado.

A primeira imagem de “The ape” tem toda desenvoltura de quem talhou a cena durante aula de roteiro. Vemos um homem coberto de sangue acordar desnorteado. Com cara de bobo inocente, ele sai de casa e mostra acessos crescentes de raiva. Sobra berros para a menina que faz aula de direção com ele.

Com poucas palavras, mas todas devidamente arrumadas para desvendar um pouco mais do mistério, o filme segue um dia do personagem. Essa intimidade interditada é captada via câmera treme treme sem parar e closes intensos, num registro formal que parece seguir o caminho aberto por outros filmes que seguem essa cartilha.

Resta saber se esse bombardeio de closes nos mostra algo além de um personagem com sexualidade mal resolvida e raiva psicótica. Talvez o maior incômodo deste filme detestável seja, além dessa tensão transgênica criada em laboratório, a forma problemática de registrar o mundo: há forte sugestão de atrelar a homossexualidade com a demência. Nada que um Pai Nosso no final não resolva.

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