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Críticas

O Estranho Caso de Angélica

Dissenso (Recife) oferece Manoel de Oliveira

Por Luiz Joaquim | 04.02.2011 (sexta-feira)

Há muito tempo que nenhum cineclube no Recife promovia uma ação tão audaciosa. O Cineclube Dissenso, com sessões sediadas no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco, oferece à cidade, às 14h de amanhã (sábado, 5), em sessão única e gratuita, a exibição do novo filme do português Manoel de Oliveira: “O Estranho Caso de Angélica”, que será projetado em cópia 35mm. O filme foi lançado no Un Certain Regard de Cannes 2010 e programado como filme de abertura da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo no ano passado. No Recife, ele é inédito.

Mas, audaciosa por quê? Porque o mercado cinematográfico obedece a uma agenda de lançamentos muito rígida que só é quebrada com sessões prévias sob muita negociação (envolvendo cifras) com a distribuidora detentora dos direitos de exibição. No circuito comercial da França, por exemplo, “Angélica” só entra em cartaz dia 11 de março. E são poucos os festivais ou salas de cinema que conseguem prévias sessões.

Some-se à audácia do Dissenso sua sintonia afinada – já que trazem um filme de Manoel de Oliveira – em compreender a carência que o Recife tem em dispor de obras sérias nas salas de exibição para fazer refletir sobre o cinema e sobre a própria vida.

No sentido de fazer pensar sobre a vida, nada mais acertado que vermos um trabalho feito por um senhor de 101 anos, cuja precisão na composição e timing de suas imagens parecem não comungar com mais nada que seja contemporâneo, até mesmo pela compreensão desse senhor em saber o quão valiosa é a manutenção de uma imagem, mesmo a mais fugaz.

E essa delicadeza no olhar parece pouco possível para quem é desse mundo contemporâneo tão abundante em sujas imagens desleixadamente recriadas. Oliveira em seus filmes, e em “Angélica” não é diferente, mantém-se fora dos ruídos das imagens modernas. E o que há de belo aqui é exatamente sua competência em mostrar que não precisa delas para compor um conto audiovisual no aspecto clássico dos sentidos e proposições existenciais.

No enredo de “Angélica”, acompanhamos a história do fotógrafo Isaac (Ricardo Trêpa) que é chamado na urgência da noite para registrar a última fotografia da falecida e linda Angélica (Pilar López de Ayala). O inesperado acontece quando Isaac clica a moça e, pelo visor de sua máquina, ele vê – e só ele vê – ela sorrindo para ele.

Assombrado pela beleza de Angélica, Isaac divide os dias seguintes entre o desejo de encontrá-la (ou encontrar a beleza imaculada) assim como o desejo de registrar em fotografias os ofícios que em breve deixarão de existir, como o dos trabalhadores braçais das vinhas, com suas cantigas.

Há aqui uma fé na imagem, como documento que eternizará a perenidade da vida, que não é de hoje na cultura humana. Mas, escrita pelas mãos enrugadas de Oliveira, esta fé ganha uma conotação de convincente resistência pela comunhão com a própria longevidade deste cineasta português.

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