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Críticas

O Mágico

A melancolia por trás da mágia

Por Luiz Joaquim | 18.02.2011 (sexta-feira)

Quem viu, em 2003, “As Bicicletas de Belleville”, nunca esqueceu. O filme de Sylvain Chomet ofereceu, naquele momento, um frescor lúdico e poético, e não só no tema mas também na estética, que ultrapassava todos os esforços de Hollwood daquela época, que consistiam em reforçar sua sedução pelos efeitos digitais 3D na animação (não o 3D da projeção, como hoje, mas o da confecção computadorizada). Hoje, chega ao Recife, pelo Cinema da Fundação Joaquim Nabuco, o novo filme de Chomet, “O Mágico’ (L’illusionniste, Fra., 2010), que não fica por baixo de “Belleville”, tanto do ponto de vista técnico como poético.

A primeira beleza do filme vem da informação que “O Mágico” – que concorre ao Oscar da categoria no próximo dia 27 – é o fruto do empenho de Chomet em concretizar, pela animação, um roteiro original escrito por Jacques Tati (1907-1982), o mestre do humor francês. Na verdade, a inteligência e beleza nos trabalhos do diretor, ator, roteirista Tati estavam mais para a perfeição e brilhantismo humanista que para o humor descontrolado.

É o seu marcante personagem, o Sr. Hulot, que leva “O Mágico” adiante. Como um ilusionista que viaja pela Europa no início dos anos 1960. Época em que o rock’n’roll e os televisores já roubavam a cena que antes eram das atrações circenses (aqui do Brasil, sobre o assunto, vale rever “Bye Bye Brasil”, 1979, de Cacá Diegues).

Com uma animação que busca reflexos na imagem real, mas sem o preciosismo dos detalhes, e no contexto histórico mencionado acima, o Sr. Hulot mágico segue sua vida em longas viagens, principalmente pelo Reino Unido. Ele segue feliz em sua arte de entreter, indiferente ao desinteresse de seu publico em detrimento da tecnologia e da moda musical que chegaram para hipnotizar as massas.

Mas, num pobre vilarejo da Escócia, uma jovem faxineira de hotel (inspirada na filha de Tati), ainda percebe o encantamento do mágico e acredita nos mistérios da magia. Ela então decide acompanhá-lo em sua jornada, transformando sua própria existência, e a dele, num modo de vida com novas responsabilidades.

Na verdade, “O Mágico” é um ótimo trabalho que oferece mais um painel das delicadezas que fizeram de Tati e seu M. Hulot o que ele representa: gentileza, humanismo, atrapalho, inadequação para o mundo bruto onde vivemos. Estas situações são mostradas por Chomet com inspiração também no cinema de Fellini, Jacques Demy e até Max Ophüls.

Mesmo para quem não sabe nada sobre Tati, o filme de Chomet possibilita essa apresentação no momento em que o mágico entra por acidente num cinema e é o próprio que está na tela, pelo filme “Meu Tio” (1958).

De qualquer forma, “O Mágico” é um ótimo convite de entrada no universo de Hulot. Sob música suave e melancólicos coadjuvantes que perambulam pela história (o ventríloquo, o palhaço, os malabaristas), o filme leva os dois protagonistas para um lugar onde eles terminam por crescer separados: ele repensando os efeitos de iludir as pessoas para entretê-las; e a menina aprendendo a amar como um mulher. O estopim da transformação está no bilhete deixado pelo ilusionista, vaticinano “mágica não existe”, ele diz, para em seguida, vermos todas as luzes se apagarem. É triste.

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Texto abaixo escrito por Hugo Viana, em novembro de 2010, por ocasião da exibição do filme no 3º Janela Internacional de Cinema do Recife, no cine São Luiz

O herdeiro do humor tipicamente francês

HUGO VIANA

A história do cinema possui grandes ocorrências de amor cinéfilo, casos especiais de diretores que costumam fazer homenagens filmadas sem restrições aos seus autores favoritos. Apesar da filmografia ainda pequena e em construção, composta por dois longas e dois curtas-metragens, é possível perceber o fascínio do ilustrador e cineasta Sylvain Chomet sobre a obra do francês Jacques Tati, realizador de humor visual.

Depois de “A Velha Dama e os Pombos” (1998) e “Bicicletas de Belleville” (2003), animações que se apropriavam do silêncio e das ironias sobre as representações de arquétipos do francês e norte-americano típico, características presentes na obra de Tati, Chomet estreia agora um longa-metragem baseado num roteiro original escrito por Tati, “O Mágico”, que integra hoje a programação do Janela Internacional de Cinema do Recife, com exibição no Cinema da Fundação, às 17h (ingressos por R$ 8 e R$ 4).

O trabalho de Chomet é um tipo de animação modelo vintage, uma homenagem artesanal em múltiplas dimensões, apaixonada não apenas por Jacques Tati, mas também por uma época específica do show business. É um retrato analógico dos anos 1950, do período de transição de gerações, a passagem da época dos artistas boêmios e relativamente obscuros para as estrelas histéricas e suas legiões de fãs.

O filme possui um estado constante de saudade e nostalgia pelos anos 1950, visível nas representações das fachadas de cinemas e teatros vaudeville em néon, nas ruas e nas roupas, nos sofás puídos e nos quartos de hotel decadentes. Há carinho especial por palhaços tristes, por ginastas excêntricos, e também por ventríloquos velhos, que a vida invariavelmente os leva a trocar de lugar com seus bonecos inertes.

Assim como num filme de Tati, quase não há diálogos em “O Mágico”, apenas murmúrios aleatórios de boa noite e bom apetite. É uma característica curiosa, que gera uma animação que usa como recurso único um humor delicado e essencialmente visual, que prescinde de palavras para ser compreendido. Há piadas que possuem o toque invisível de Tati, situações desenhadas por Chomet que emulam o estilo do diretor homenageado. O filme faz sessão agradável com “As Férias do Sr. Hulot” (1953) e “Meu Tio” (1958), obras mais conhecidas de Tati.

O personagem principal é uma ilustração que representa o próprio Jacques Tati, interpretando sua criação mais conhecida, o homem alto e desajeitado, educado e quieto, sem aptidão para o traquejo social necessário para as situações do cotidiano. Esse ho­mem é um mágico à moda antiga, do tipo que tira coelho da cartola, puxa moeda da orelha de crianças e faz truques velhos com cartas de baralho. Ele também é seu próprio agente, e carrega pelas cidades seu único cartaz, para mostrar aos donos de teatro, em busca de emprego.

A história desse mágico com carreira em direção ao fundo do poço muda quando ele conhece uma garotinha, e é a relação de amizade entre o homem mais velho e a jovem que guia o filme. Outros personagens surgem ao longo do longa-metragem, e mesmo sem palavras sugerem um ponto de vista muito particular sobre a vida e as mudanças de uma geração para a outra. Ao final, uma mensagem agridoce que sugere que os mágicos não existem nesse mundo de transformações expressa com excesso de simpatia e delicadeza o argumento de Tati, via Chomet, sobre questões da vida.

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