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Críticas

As Duas Irenes

Um mundo de descobertas, num pequeno grande filme.

Por Luiz Joaquim | 14.10.2017 (sábado)

Nada mais prudente do que assumir o passo que sua perna pode dar. Ao assistir As duas Irenes (Bra., 2017), estreia na direção em um longa-metragem por Fábio Meira, a sensação é a de que a produção sabe exatamente até onde pode ir. Não que isto deva ser lido como uma limitação, mas como maturidade. E, assim sendo, seria melhor dizer que este filme “sabe até onde QUER ir”.

A maturidade em As duas Irenes está presente em toda extensão deste trabalho de Meira. Passeando pelo ritmo narrativo, pela consonância desse ritmo com o ambiente que o cerca, pela apresentação dos personagens, pela apresentação do ponto dramático, de sua evolução e de seu desfecho (desfecho?).

Poucas linhas são suficientes para estabelecer o entendimento do enredo: Irene (a estreante, e ótima, Priscila Bittencourt), 13 anos, é a filha do meio de três meninas de um casal cuja família vive em feliz harmonia num pequeno município do interior, que aqui sugere algo entre Minas Gerais e Rio de Janeiro; talvez ali pelo início dos anos 1980.

Certo dia, Irene descobre que o pai (Marco Ricca) tem uma outra filha chamada Irene (Isabella Torres), com a mesma idade que a sua. Sem se identificar, ela secretamente se aproxima da meia-irmã, que está alguns poucos degraus mais evoluída no quesito sexual.

Amizade estabelecida, começa o jogo de identidades entre as duas meninas, ligadas não apenas pelo mesmo pai, mas por alegrias e desejos afins.

 

As duas Irenes – que integrou a mostra Generation no 67o Festival de Berlim – termina por mostrar-se como uma rara e cuidadosa produção sobre personagens pouco ou mal explorados pela cinematografia brasileira. É verdade que a complexidade da situação vivida pelas duas meninas não é levada à extremos psicológicos. Mas, mais uma vez, está claro que este não é um passo que Meira deseja dar. E não se trata de ter perna curta, e sim de sentir-se confortável com o seu alcance.

Aqui, Meira deixa a força da natureza expressar-se na tela pelo forte carinho do vento nas folhas das árvores, pelos mergulho no rio, pela paisagem ora árida, ora fértil, e claro, pela puberdade alegre e contestadora das meninas. Todos estes elementos da natureza (e outros) ajudam a estabelecer a própria pujança, o viço e inquietação da menina Irene.

Interessante ainda observar como o roteiro dosa harmoniosamente este universo de descobertas tão determinante para a vida da protagonista, dividindo-se entre conflitos e aproximações. Às vezes com o pai, com a mãe, às vezes com os meninos que tentam o acesso sexual, ou entre as duas amigas.

Há também – e aqui temos algo bastante difícil de construir, principalmente para uma produção modesta – a construção convincente de um ambiente de relações humanas quase alienígena para os padrões de um jovem que viva nos dias de hoje numa cidade grande.

O mundo de Irene, que conhecemos no filme é o da vida livre, aberto para o que ele oferece. “Mundo” como espaço físico largo e repleto de novas informações a serem desvendadas. E com elas amadurecer. Com confronto, mas sem o desrespeito.

São poucos os filmes que alcançam esse equilíbrio com elegância. Fábio Meira chegou lá, e sem forçar seu passo, mas, sem dúvida, com a ajuda inestimável do magnetismo constante de Bittencourt e com a precisão e conforto com o qual Ricca vestiu seu personagem.

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