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Digital

Os Meyerowitz: Família não se escolhe

O mundo e os personagens reconhecíveis – e neuróticos – de Noah Baumbach

Por Luiz Joaquim | 15.10.2017 (domingo)

Sexta-feira passada (13/10) a Netflix estreou seu novo produto, Os Meyerowitz: Família não se escolhe (The Meyerowitz Stories (New and selected, EUA, 2017), de Noah Baumbach. E aquilo que um dia se chamou ‘telefilme’ poderia ser aplicado a este trabalho. Mas, em 2017, não é o caso.

Sendo mais uma produção com o selo Netflix, o destino de Família não se escolhe nem é a sala comercial de cinema, nem a televisão tradicional (seja por canal aberto ou por assinatura), mas sim, e exclusivamente, a plataforma com transmissão streaming da empresa que o produziu.

Muitos lembram que neste simbólico 2017 a Netflix protagonizou uma polêmica no Festival de Cannes quando o então presidente do júri, Pedro Almodóvar, negou-se a premiar filmes que não teriam agenda de lançamento em salas de cinema. Entraram nesta dança de negação, portanto, dois títulos que concorriam a Palma de Ouro. O outro, além da obra de Baumbach, era Okja, do sulcoreano Boong Joon-ho.

Em Cannes, o diretor novaiorquino comentou que sua produção havia sido originalmente tocada para estrear no cinema, e só depois foi cooptada pela plataforma streaming mais influente do mundo.

NEO-ALLEN – Baumbach ganhou a atenção do mundo em 2006 pela indicação ao Oscar pelo seu roteiro original de A lula e a baleia, mas foi com Frances Ha (2012), numa parceria com a atriz e coreógrafa Greta Gerwig (com quem fez também Mistress América, 2015) que estabeleceria o perfil cinematográfico que lhe colou em sua biografia.

Com situações ambientadas em Nova Iorque, com seus personagens sempre ocupados, correndo a toda hora e trocando diálogos rápidos, e se indignando com algo trivial enquanto algo muito sério lhes acontece na vida, – situação bastante reconhecível para quem vive numa cidade cosmopolita – o cinema de Baumbach termina por remeter ao do eterno neurótico novaiorquino do cinema, Woody Allen.

Baumbach, 48 anos, logicamente atualiza as situações (e a dinâmica narrativa) para os dias de hoje como o idoso Allen já não mais faz – lembrando que o judeu baixinho dominou absolutamente este campo nos 1970 e 1980. Sendo assim, nada mais fácil de verificar que a empatia de um publico jovem, entre 20 e 40 anos, e sofisticado em referencias culturais históricas ou contemporâneas associe-se imediatamente com este universo Baumbachiano, por assim dizer, que vai se estabelecendo aos poucos numa cinematografia em processo.

 

MEYEROWITZ – Dividido em capítulos intitulados pelo nomes dos filhos do velho Harold (Dustin Hoffman), Os Meyerowitz vai construindo um momento definitivo na história da família.

Pai de três filhos, fruto de dois casamentos anteriores ao atual com a constantemente embriagada e zen Maureen (Emma Thompson), Harold é um escultor aposentado, que já teve seus dias de glória. É o típico vaidoso reclamão do mundo. Mundo que, segundo ele, não mais sabe reconhecer seu talento.

O momento aqui é o que Danny (Ben Stiller) volto a morar na casa de Harold e Maureen, uma vez que está separando da esposa, já que a filha Eliza (Grace Van Patten) está partindo para a universidade para ir estudar cinema (“Todo mundo tá fazendo isso hoje”, é uma das irônicas frases repetidas no filme).

Já na primeira parte da história, fica estabelecido que aquela era para ser uma família de artistas e que, apesar das inclinações de Danny para a música, e dos outros dois filhos – o bem sucedido contador de celebridades, Matthew (Ben Stiller) para a interpretação – e da introspectiva Jean (Elizabeth Marvel), ninguém seguiu o caminho do pai.

A própria sombra e fama do pai, e de sua ausência na adolescência deles, é tratada com cuidado aqui, mas também com humor, e de forma transversal à própria experiência de paternidade de Danny com Eliza (carinhosa e portando-se quase maternalmente com o pai Danny), e de Matthew com seu filho pequeno, morando com sua esposa em Los Angeles.

O internamento de Harold num hospital, por um incidente causado por uma complicação sanguínea, termina por obrigatoriamente reunir os filhos depois de vários anos o que, por conseqüência, reaviva os conflitos não resolvidos dos Meyerowitz ao longo de suas vidas.

Os Meyerowitz – Dustin Hoffman, Emma Thompson

A dinâmica da alternância dos filhos para atuarem como acompanhantes do pai no leito do hospital por vários dias cria um ritmo próprio para os irmãos (e divertido para o espectador), deixando tudo muito próximo do que conhecemos nesta rotina. Desde a eleição natural pelo enfermeiro preferido, passando pela anotação das indecifráveis medicações aplicadas ao paciente, até o desconforto na dormida numa cadeira dura.

Não há nada de original aqui neste enredo, mas a riqueza das sutilezas com uma azeitada dinâmica entre tantos personagens bem construídos e maravilhosamente defendidos pelo corpo de atores, e ainda, com tudo isso bem amarrado com lucidez no roteiro de Baumbach faz de Os Meyerowitz algo sedutor.

É uma sedução discreta mas firme. Daquelas que o espectador parece conhecer os personagens (e seus dramas) há bastante tempo; querendo manter-se com eles mesmo depois do filme encerrado.

SANDLER – Algumas palavras para Adam Sandler, maldito no mundo do cinema por uma penca de personagens estúpidos assumidos em filmes estúpidos, mas “salvo” por alguns diretores-autores em obras inesquecíveis, como por exemplo Embriagado de amor (2003), de Paul Thomas Anderson; Espanglês (2004), de John Clascky; e Click (2006), de Michael Newman, não por coincidência todos estes relacionados a dramas familiares.

Como um Meyerowitz, Sandler é o centro para onde os problemas da família apontam e se refletem mais destacadamente. Não à toa, é a sua história que abre o filme. Mancando constantemente, sem saber e sem querer saber a causa da pendência física, sem emprego, separando-se da filha (que parte para a universidade), sem a esposa, sem a atenção do pai (que sempre colocou em destaque o caçula Matthew), Danny é a imagem do abandono e do fracasso.

E isto que poderia cair na pieguice lacrimosa ou apelativa é defendida com robustez e dignidade por Sandler. É bom vê-lo atuando em personagens mais próximos de uma ideia do real, com fragilidades que reconhecemos bem. A sua figura física ordinária, comum, lhe ajuda aqui, e seu talento já não precisa mais de testes para o entendermos pela competência artística.

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