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Críticas

O Terminal

Um retrato da América

Por Luiz Joaquim | 09.08.2018 (quinta-feira)

-publicado originalmente em 10 de setembro de 2004 no jornal Folha de Pernambuco

Uma história conta que um dissidente iraniano chamado Merhan Nasseri morava no aeroporto parisiense Charles De Gaulle desde 1988. O sujeito foi obrigado a permanecer no local graças a uma série de burocracia política. Steven Spielberg viu nessa situação um excelente argumento para desenvolver aquele que seria seu 21° longa-metragem para o cinema: Terminal (The Terminal, EUA, 2004), em cartaz hoje em todo o País. A estrela que interpreta o imigrante é Tom Hanks e o aeroporto que serve de cenário é o JFK, porta de entrada a Nova York diariamente para milhares de pessoas.

Observando essa nova produção reforça-se a ideia do nome Spielberg ser vinculado a competência. O pretexto utilizado para Terminal poderia tornar-se uma comédia boba alicerçada apenas por situações improváveis nascidas de uma realidade improvável. Mas, ao contrário, o diretor de E.T. adoça a enredo atribuindo um tom de fábula que acaba por funcionar como um retrato da América, representado pelo saguão internacional do JFK.

Hanks não vive um iraniano mas sim um imigrante de um país da ex-União Soviética que veio aos EUA por uma razão misteriosa. Enquanto cruza o oceano num avião, seu país sofre um golpe militar e seu passaporte torna-se inválido. Com o domínio raso do idioma inglês Viktor (Hanks) é obrigado a permanecer no aeroporto até que a situação em sua nação normalize. Spielberg vai mostrando as várias fases desse processo de confinamento através de uma transição do drama para o humor com bela fluidez narrativa. É verdade que muitas piadas não funcionam (afinal Tom Hanks não tem mais 20 anos para fazer graça com trombadas e escorregões), mas o que importa aqui é a capacidade de transpor problemas e sobreviver eticamente com o que se tem a mão.

O longo braço da lei e a repressão são representados pelo ótimo ator Stanley Tucci no papel de um funcionário prestes a assumir o cargo máximo de segurança do terminal. Ainda há espaço para Viktor envolver-se sentimentalmente com Amélia (Catherina Zeta-Jones), uma aeromoça de 39 anos que espera há sete por ser a titular do seu amante, um senhor casado.

Os maneirismos de Hanks nem chegam a atrapalhar a condução da história. Isso graça a força do roteiro que, bem amarrado, não deixa tempo para o espectador se distrair e, o melhor, sugestiona, nas entrelinhas, uma crítica ao modo de vida do nova-iorquino (estendido a habitantes de qualquer megalópole). Exemplo disso está no comentário do zelador velhinho do JFK, um imigrante ilegal da Índia. Ele diz: “Aqui ninguém irá me perceber, desde que mantenha minha cabeça abaixada e esfregue o chão corretamente”. É como se Spielberg quisesse dizer o quanto se pode esperar de um País a partir do que acontece no seu aeroporto internacional. É simples. Terminal nos chega como um retrato da América: com todas as oportunidades a mão, mas sem nenhuma garantia de que elas possam ser realizadas.

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