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Críticas

Menina de Ouro

Ser durão não basta

Por Luiz Joaquim | 06.09.2018 (quinta-feira)

– publicado originalmente em 09 de Fevereiro de 2005 no jornal Folha de Pernambuco

Ele não precisa provar nada a ninguém. Do topo de seus 74 anos de idade, é dono de uma das filmografias mais sólidas em Hollywood. Primeiro como ator, depois como diretor, Clint Eastwood soube envelhecer, talvez como nenhum outro artista de sua estirpe na show-busieness americano.

Ele vem dando prova disso nos últimos dez anos, quando começou ele mesmo a desenvolver verdadeiros jóias cinematográficas nas quais combina, de forma bem-humorada, as limitações da terceira idade, com toda a inexorável sabedoria que lhe é própria. Seu mais novo trabalho chama-se Menina de ouro (Million dollar baby, EUA, 2004) e está concorrendo aos Oscars de filme, direção, ator e atriz (Eastwood e Hilary Swank), ator coadjuvante (Morgan Freeman), roteiro adaptado e montagem.

No início da carreira, Eastwood tinha um estilo de atuação, digamos, minimalista que conquistou a Europa nos anos 60. Dirigido pelo italiano Sérgio Leone, virou estrela de primeira grandeza internacional para, logo em seguida, afiliar-se a Don Siegel e, a partir de Meu nome é Coogan (1968) construir uma consistente e prolífera parceria. Essa união resultou na fundação de um personagem que o perseguiria por toda sua carreira: o policial durão Harry Callahan de Perseguidor implacável (Dirty Harry, 1971). Com seu Callahan, desdobrado por mais quatro sequências (Dirty Harry na lista negra, de 1988, é a última), Eastwood instalaria, para sempre no cinema americano, o estigma do homem que faz justiça com as próprias mãos.

Mas, desde de 1995, quando atuou ao lado de Meryl Streep em As pontes de Madison (The bridges of Madison county), o cineasta vem dando uma nova cor a esse estigma. O senso de justiça ainda continua lá. A masculinidade e virilidade continuam lá. Mas, a partir dali, Eastwood colocaria em primeiro plano o respeito pela vida através do cavalheirismo e da maturidade que só a velhice traz. A frase “ser durão não basta”, escrita na academia de boxe de seu personagem, Frankie, em Menina de ouro, parece dizer tudo.

Mas, de certa forma, a aura de durão que cultivou em toda sua carreira (e que lhe cerca constantemente, principalmente quando aperta os olhos e cerra os dentes) impõe uma gravidade, uma austeridade e uma altivez aos seus recentes personagens que soa mais forte do que qualquer mera performance. Foi assim em Poder absoluto (Absolut power, 1997), em Cowboys do espaço (Space cowboys, 2000) e, particularmente, em Dívida de sangue (Blood work, 2002). E é assim também em Menina de ouro.

Aqui, Eastwood é um treinador e proprietário de uma academia de boxe que diariamente alimenta uma culpa, concebida há anos, ao fazer pouco caso da Igreja, quando vai atazar o padre da paróquia com questões sobre fé. Ao seu lado, o gerente da casa (Freeman) que outrora teve seus dias de glória como boxeador e agora se contenta em observar os pupilos de Frankie.

Nesse cenário, surge Maggie, fruto daquilo que os próprios norte-americanos chamam de White Trash, ou seja, uma garota de 31 anos, oriunda de uma família miserável, trabalhando desde os 13 anos como garçonete. O que Maggie acumula de paixão e inexperiência no boxe feminino, também possui de determinação na vida. E é só pela insistência que consegue conquistar o traumatizado Frankie como seu treinador.

Por um misto de admiração e respeito um pelo outro, Eastwood deixa quase palpável na tela o nascimento do amor entre essas duas criaturas desesperadas. Na última meia hora do filme, em particular, esse sentimento arrocha os nós e, pela presença de Eastwood e Swank (que resgatou a intensidade dramática que revelou em Meninos não choram) a história nós oferece um dilema que ressoa em qualquer espectador.

Com uma gama rica de personagens satélites, com sua dramática pontuação a partir de luz e escuridão, o filme tem uma textura sombria, noir, e ao mesmo tempo acena para o otimismo. Com Menina de ouro, em meio a uma situação limite, Eastwood sussurra no ouvido do espectador a frase “nunca desista”. Vida longa ao Sr. Eastwood.

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