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Críticas

Calmaria

Filosofia à pulso (e sobre uma certo famoso esparadrapo cinematográfico do Recife)

Por Luiz Joaquim | 02.03.2019 (sábado)

Calmaria (Serenety, EUA, 2019), de Steven Knight, é um muito bom filme para a publicidade e para o marketing. Mas é um muito problemático filme para o cinema. Estão lá, para montar um bom trailer, o oscarizado Matthew McConaughey (Clube de compras dalas¸ 2013), a oscarizada Anne Hathaway (Os miseráveis, 2012), a indicada ao Oscar Diane Lane (por Infidelidade, 2002 – se bem que Lane merece ser lembrada no cinema por muito mais do que isso) e o duplamente indicado ao Oscar, o ator africano Djimon Hounson (Terra de sonhos, 2002,  e Diamante de sangue, 2006).

Há ainda que lembrar da dupla McConaughey e Hathaway no superestimado Interestelar (2014), concorrendo a cinco Oscar e vencendo o de efeitos visuais. Ou seja, é muito ‘Oscar’ para estampar no trailer e no pôster de Calmaria. Mas, e o filme?

E atentem que a ligação (forçada) do filme de Knight com a ficção científica de Christopher Nolan não para por aí.

O marketing da produtora do filme, a Global Road Entertainment, e a distribuidora no Brasil, a Diamond Filmes, têm insistindo em relacionar a trama de Calmaria com a de Interestelar em função da relação entre os seus personagens com um universo paralelo.

Não. Não há em Calmaria nenhum “buraco de minhoca” – suposto atalho intergaláctico – como há na ficção científica de Nolan, mas há uma relação entre o capitão de um pequeno barco de pesca na discreta ilha de Plymouth com um adolescente no continente que programa jogos para videogames.

O capitão é Dill (McConaughey), que, no início dos 2000, lutou no Iraque, onde a guerra bagunçou sua cabeça. Dill se sustenta com algumas parcas pescarias noturnas e também disponibilizando seu barco (financiado pelo banco) para turistas endinheirados experimentarem a adrenalina de pescar em mar aberto. Sempre ao seu lado está o pescador e religioso Duke (Hounson), ainda mais pobre que o capitão.

McConaughey (e) e  Hounson (d) em cena de “Calmaria”

Quando nenhuma das duas fontes rendem, Dill acaba recebendo ajuda monetária, em troca de favores sexuais a Constance (Lane), num personagem que deve ter sido mutilado entre o roteiro (de Knight) e o corte final do filme.

Como complexidade para o personagem de Dill, sua estrutura se alicerça numa fixação que o pescador tem por um peixe gigante, o qual o capitão persegue constantemente sem sucesso de captura. O tal peixe inalcançável foi batizado por Dill de “Justiça”.

E atenção que a brincadeira no roteiro de Knight começa a dar dicas de sua pretensão a partir daí.

A corporificação num peixe de um conceito tão abstrato ganha parceiros chamados de “Regras” – no filme, um vendedor de equipamento marítimo -, e “Tentação” – na pele de Karen, a femme fatale vivida por Hathaway, como a ex-namorada de Dill, mãe de seu filho, e hoje casada com a encarnação do mal, um milionário de Miami, Frank (Jason Clarke), que a espanca.

Por esses três aspectos – Justiça, Regras e Tentação – aqui materializados como personagens de carne e osso que se colocam contra ou a favor do protagonista (ou seja, Dill e nós, espectadores da vida), Calmaria tenta estabelecer uma relação filosófica para a instituição do livre arbítrio dentro de um jogo. Jogo que seria a própria vida.

Assim escrito pode até soar bem, mas Knight, como diretor, morre antes de chegar na praia. Apropriando-se de elementos do cinema noir, o primeiro terço de Calmaria é bastante atraente. Há um pescador simples e rústico, numa ilha no meio do nada, com uma compulsão objetiva (pegar o “Justiça”) e há, a certa altura, seu ex-amor que surge, depois de uma década, com uma proposta tentadora.

Enquanto trafega por esse universo, Knight resolve bem a apresentação de todos os seus elementos e personagens. Ao partir para o improvável dentro do enredo, falta-lhe argumentos e, ainda, faltam-lhes bons diálogos, que deixem o espectador confortável para embarcar na relação entre Dill e o seu deus.

O resultado é uma analogia quase risível. Coisa, o risível, da qual chegamos bem próximo na cena piegas do final, com ajuda da impiedosa trilha sonora de Benjamin Wallfisch. Se duvida, vá lá conferir.

Registro fotográfico feito em sessão de “Calmaria”, na sala 5 do UCI/Kinoplex Shopping Recife

O ESPARADRAPO – Por ocorrer boa parte na praia ou em alto-mar, Calmaria oferece muitas imagens claras. Numa delas, o personagem de  McConaughey olha para o céu e o plano seguinte é a imagem deste céu recheado de nuvens.

Nestas sequências (e em diversas outras), o espectador pernambucano que for conferir Calmaria na sala 5 do UCI/Kinoplex do Shopping Recife poderá achar que o que Dill procurava no céu era fita adesiva que se destaca na tela durante a cena do céu azul da ilha de Plymouth.

Explicando para os que não foram na sala 5 do citado complexo nos últimos cinco anos: há lá, provavelmente cobrindo um rasgo na tela, uma fita adesiva que, obviamente não tem nada de discreta e, pior, que distrai a atenção de qualquer espectador por ocasião de qualquer cena um pouco mais clara.

Dependendo do enquadramento, a fita adesiva se coloca sobre o seio da atriz, sobre a testa do galã ou sobre a mão enfaixada do vilão. O que se pretende sério num filme pode virar piada na sala 5 do UCI/Kinoplex do Shopping Recife.

Em outras palavras, isso é um descuido com o consumidor. Sabemos que uma nova tela de cinema não é algo barato, mas para bons entendedores, a imagem de uma empresa é algo muito mais valiosa.

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