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Críticas

Homem livre

O peso da culpa contra a liberdade do espírito.

Por Luiz Joaquim | 07.03.2019 (quinta-feira)

É sempre interessante conhecermos o primeiro longa-metragem de ficção dirigido por um realizador. Há tantas possibilidades nele(s)… Não que não as haja nos curtas-metragens, mas o longa tem um desafio extra, intrinsecamente ligado a sua duração, ou seja, a sua capacidade de manter o espectador seu, até o encerramento da trama.

Em Homem livre (Bra., 2017) o diretor Álvaro Furloni, nesse quesito, se sai bem em sua estreia. A estrutura e a atmosfera criada por Furloni, a partir do roteiro de Pedro Perazzo, ajuda a manter o interesse pelo destino do protagonista Heitor Lotte (Armando Babaioff, de Sangue azul e Prova de coragem).

Ex-estrela da música pop, Heitor cumpriu pena por assassinato e começa uma outra fase da vida, agora discretamente trabalhando numa pequena igreja evangélica em Piedade, bairro no subúrbio carioca, e que tem como administrador o pastor Gileno (Flávio Bauraqui).

A partir das proposições iniciais colocadas pelo pastor a Heitor (e para nós espectadores), a ideia é que o seu trabalho discreto na igreja (onde Heitor passa também a residir) e a sua conversão às regras e ditames do divino, tendo a Bíblia como norte, irão livrá-lo da culpa. Recebendo o amor e acolhimento dos “irmãos” Heitor se salvará.

Flávio Bauraqui e Armando Babaioff em “Homem Livre”

Mas uma série de elementos que flertam com a ideia do fantástico em Homem livre (reforçados pela trilha sonora, bela, mas às vezes reiterativa) entram lenta e gradualmente no contexto da vida do protagonista. Ao muito restrito ambiente que o cerca no filme – quase todo realizado na locação que serviu de igreja -, somam-se também outros personagens igualmente misteriosos.

É Jamily (Thuany Andrade) e Miranda (o marcante Márcio Vito, de Pendular e Campo grande). Ela, uma ajudante da igreja, que toca violão nos cultos e ajuda o pastor Gileno, mas tem interesses escusos. E Miranda, um empresário que vai investir na construção de uma nova e maior igreja e num educandário para Gileno, mas de moral duvidosa.

O mistério, entretanto, vai se dissipando a partir dos contornos que todos os personagens ao redor de Heitor vão ganhando, cada um a seu modo, cada um no espaço que lhe cabe. Mais como símbolos do que como personalidades. Teríamos então a salvação ou a fé (o pastor) a tentação pelo sexo (Jamily) ou pelo dinheiro/fama (Miranda) e a consciência, na voz da jornalista que tenta entrevistar Heitor (Rosane Mulholland, Falsa loura).

Cercado por esses apelos, e tendo a igreja (um purgatório?) como um ponto de referência claustrofóbico para os conflitos de Heitor, Homem livre parece querer nos lembrar que não há escapatória para quem está tomado pela culpa. A sugestão para o universo fantástico aqui parece também estar em dicas do roteiro, como a manchete no recorte de jornal que fala da ida de Heitor “do céu ao inferno” por conta de seu crime, ou no próprio nome do bairro onde ele agora vive – “Piedade”.

Mas, talvez o mais interessante nesse primeiro longa de Furloni esteja na maneira como ele e equipe – direção de arte em particular, de Patrícia Ramos – resolvem as ambientações da restrita locação. Não é pouco, se considerarmos que o ambiente em si é elemento determinante para a confusão que atormenta a cabeça de seu protagonista, tal qual Roman Polanski brincou ao dirigir sua trilogia do apartamento [Repulsa ao sexo, 1965; O bebê de Rosemary, 1968, e O Inquilino, 1976]; ou mesmo quando atuou em Uma simples formalidade (1994) contracenando com Gérard Depardieu, sob a direção de Giuseppe Tornatore.

 

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