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Críticas

Falsa Loura

A autenticidade de uma falsa loura

Por Luiz Joaquim | 11.07.2008 (sexta-feira)

No filme “Tudo Sobre Minha Mãe”, de Almodóvar, um transexual termina seu número de stand-up comedy dizendo que “somos mais autênticos quanto mais nos parecemos com aquilo que sonhamos ser”.

Como o próprio título afirma, a protagonista de “Falsa Loura”, Silmara (Rosane Mulholland) se define por aquilo que ela não é. Logo, sonha com aquilo que não tem: fama, dinheiro, amor e um homem que realize estes desejos. Mas na sua vida de operária de uma indústria da periferia paulistana, Silmara se reveste de toda a dureza, impiedade e poder que lhe permite a sua lourice. Afinal, ainda que falsa, ela é a femme fatale do seu subúrbio.

Esse poder vem da imagem que todos nós compartilhamos, daquela “loura primordial”, inalcancável e inatingível, que o próprio cinema fez explodir desde seus primeiros anos. Mas com “Falsa Loura” o cineasta Carlos Reichenbach, reafirma seu interesse maior na mulher que sonha do que naquela que é sonhada. Mais que interesse: “Falsa Loura” é uma declaração de amor/tesão de um cineasta por sua personagem.

Na companhia de Silmara, Carlão, que hoje tem mais de 60 anos, filma com o vigor de um rapaz habilidoso em rachas de carros, costurando entre gêneros e estilos. Ora voa em musicais, como nos delírios de Silmara, ora derrapa em dramas, como nos seus retornos desesperançados à realidade.

Mas é normal pensar nesse rapaz fogoso, ansioso por mostrar suas habilidades, quando se tem Rosane Mulholland no banco do carona. Musa da vez no cinema nacional, Rosane domina a tela como poucas da sua geração. Com uma delicadeza petulante, constrói uma Silmara multifacetada, dona de uma armadura emocional rígida, mas vulnerável no estômago. E quando o soco vem, o público se dobra ao meio junto com ela…

Corajosos são também os trabalhos de Cauã Raymond e Maurício Mattar que cantam em cena (sob a supervisão valiosa de seu diretor musical, Nelson Ayres) e se valem da persona que criaram diante do público na composição de seus personagens. Suas participações propõem um curioso ponto de interseção entre o nosso mundo e o universo do filme.

Mas o próprio Reichenbach avisa: não está interessado num retrato nu e cru do cotidiano. Como atesta toda a sua filmografia, seu cinema resulta de seu olhar pessoal do mundo filtrado por suas referências mais caras (Lang, Zurlini, Franco…), o que pode torcer o nariz daqueles que ainda esperam do cinema brasileiro um veículo de discussão estritamente objetiva da realidade.

“Falsa Loura” pode ser, sem frescura, um belo melodrama musical, tocante como pouca coisa feita hoje no cinema nacional. Mas por baixo de sua falsa superficialidade, está, sim, a inquietação política de Reichenbach, cujo foco está no combate, a cada dia mais duro, entre o real e o idealizado.

Não é fácil acompanhar quem você ama nessa luta, mas o amor tem dessas coisas; costuma ser menos fácil quanto mais autêntico. E existe algo mais autêntico do que declarar a própria falsidade?

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* Daniel Bandeira é cineasta. Entre montagem, direção e produção, realizou dezenas de curtas-metragens e dirigiu o longa “Amigos de Risco”

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