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Festivais

8. Olhar (2019) – “Banquete Coutinho”

Festival cresce em 2019 (milagre?) + documentário revisita a estrutura nas obras de Eduardo Coutinho

Por Luiz Joaquim | 06.06.2019 (quinta-feira)

CURITIBA (PR) – Há algo de milagroso em um festival de cinema que acontece no Brasil do ano de 2019. E isso é ainda mais regozijador se este festival – no caso o Olhar de Cinema: Festival Internacional de Curitiba – é consistente em diversos aspectos próprios para festivais do gênero. Agora, o festival está apresentando sua 8a edição num formato maior e mais audacioso do que o seu habitual.

E na fala de abertura na noite de ontem (5), que tomou três salas (todas lotadas) do complexo Itaú Cultural no Shopping Crystal, o diretor geral e artístico do Olhar, Antônio Júnior, disse bem sobre isso: “Num momento em que festivais de cinema no País estão lutando pela sobrevivência, contra um pensamento que tem questionado sua validade, o fato de o Olhar acontecer ainda maior neste ano é um motivo de alegria, mas também para nos solidarizamos com estes outros festivais sob ameaça de continuar existindo”.

De fato, a dimensão do 8o Olhar agora projeta 131 filmes em três espaços distintos: além das tradicionais salas do Shopping Crystal, há as do Shopping Novo Batel e também entrou na conta as lindas Ritz e Luz do recém-inaugurado Cine Passeio, um orgulho curitibano.

O festival conta com dez mostras (nasceu com cinco em 2012) e, entre as novas, está a Olhares brasileiros com obras nacionais inéditas e/ou que tiveram passagem em outros festivais. Antônio explicou a criação da Olhares brasileiros, no atual contexto político, como uma marcação de terreno pro-cinema brasileiro.

Outro movimento claramente político está no Olhar retrospectivo deste ano revisitando oito obras do chileno Raúl Ruiz (1941-2011) entrelaçadas com títulos brasileiros que conversam entre si sobre o contexto de suas produções. Um contexto de exílio político, como os curtas-metragem Fragmentos do exílio (2001), de Silvio Tendler, Meio-dia (1970), de Helena Solberg; e os longas-metragens Memórias de um estrangulador de loiras (1970), de Bressane, e O pequeno exército louco (1984), de Lúcia Murat e Paulo Adário. “Achamos que é um momento oportuno para revisarmos esses filmes o os seus discursos no Brasil de hoje”, comentou Antônio.

Para além da projeção de filmes, acontece mais de uma dezena de eventos com a intenção de promover troca de ideias entre produtores, diretores, roteiristas, distribuidores e exibidores, ou seja, fazendo borbulhar o que é vital para o mercado cinematográfico brasileiro: aproximar realizadores independentes de agentes do mercado.

Nesse contexto há, a partir do domingo (9), no Cine Passeio, o 1o Encontros de Cinema. Há também o 3o Fórum paranaense de cinema, nos dias 7 e 8/6 na Cinemateca do Paraná, discutindo o ensino público e políticas públicas para o audiovisual, além de debate sobre curadoria e programação.

Vale ainda registrar o aplicativo criado pelo festival, a ser usado em smartphones, bastante prático e funcional, e que organiza as diversas agendas pessoais de cada um dos envolvido com o Olhar – seja convidado ou público ordinário. O app do 8o Olhar, como existe, é uma pequena invenção que faz todo sentido para um festival que se engrandece no porte e quer se dar a uma plateia interessada em se aproximar do evento para usufruí-lo melhor.

BANQUETE COUTINHO – O longa-metragem de estreia de Josafá Veloso foi o escolhido para o abrir o 8a Olhar. Junto a este documentário que sugere encontrar uma linha que amarre toda a obra de Eduardo Coutinho (1933-2014), houve a projeção surpresa do curta-metragem O cinema segundo Luiz Rô. Doc. realizado por Renato Coelho em 2014 a partir de reflexões incisivas de Luiz Rosemberg Filho (1943-2019) sobre a arte a qual se dedicava.

Josafá Veloso (ao microfone) e equipe apresentam “Banquete Coutinho” em sua primeira sessão pública – fotos Isabella Lanave

Sobre Banquete Coutinho, temos aqui um projeto longo – começou antes mesmo de Josafá fazer a entrevista de 2012 com o diretor de Cabra marcado para morrer que viria a servir de guia para seu longa de estreia. Ele tenta amarrar de alguma forma a ideia de que o conjunto da obra do ranzinza mais admirado do cinema brasileiro se baseia “num mesmo filme, nos mesmos personagens”. Sendo talvez estes personagens um reflexo num espelho o qual Coutinho se olha.

Do ponto de vista da profundidade dessa proposição, Banquete… não soa tão convincente assim. Não mergulha tão verticalmente aqui, talvez pelo que traz o entrevistado do filme em suas falas. E Coutinho traz muito mas, o que coloca, coloca como razão de uma existência pessoal que não teria sentido se ele não fizesse filmes.

O que de melhor Banquete… nos apresenta é a síntese que Coutinho faz a respeito do condensamento de um personagem revelada por uma conversa impressa num filme; com este condensamento, por si só, sendo um elemento ficcional dentro de um material documental. “A rotina mataria o que há de mágico nos personagens com quem converso. Por isso não os procuro depois dos filmes. Eles deixariam de ser interessantes se os acompanhasse por um dia inteiro”

Há também uma tentativa de nos aproximarmos do íntimo do Coutinho, feita por Banquete…, o qual nunca tivemos acesso. Para tanto, Josafá lança mão de trechos de Apartamento 608, de Beth Formaggini (feito por ocasião de Edifício Master) e ele mesmo, Josafá, acaba ouvindo do documentarista pontuações sobre o sentido de sua existência – tendo como resposta “fazer uns filmes aí e fumar”.

As falas de Coutinho remetem, entre outras coisas, ao livro organizado por Pierre Bordieu, A miséria do mundo, no qual o autor pontua sobre o que há numa troca provocada por uma entrevista. E vai até uma reflexão sobre a imortalidade para explicar a necessidade, conforme Coutinho, de termos de encarar a dor e a finitude na vida.

Do ponto de vista estrutural, Banquete… se apresenta de forma curiosa, realizando links ora óbvios, ora não, entre a fala do entrevistado a trechos de sua filmografia. De prazeroso, há a inserção de obras raras, como o episódio de ficção O pacto, do longa ABC do amor (1967); ou o ainda mais inacessível Le Téléphone (1959), feito por Coutinho quando estudava o segundo ano de cinema no Idhec, em Paris.

De curioso fica a inserção de trechos de Memórias do subdesenvolvimento (1967), de Tomás Gutiérrez Alea, colocando por vários momentos de Banquete… trechos do personagem Sérgio Corrieri, um burguês perdido numa Cuba pós-revolução que, inerte, observa de longe a transformação de sua sociedade

É razoável, esta estrutura, mas ela parece ancorar sua força no fato de que Coutinho hoje é um personagem histórico.

Ele morreu em condições trágicas há cinco anos, como se sabe, e qualquer menção à finitude da vida (principalmente saindo da boca Coutinho, em retrospecto) soa solene, o que obviamente ajuda Banquete… mesmo se sua estrutura, a do filme, for frágil.

* viagem a convite do festival.

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