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Festivais

44ª Mostra SP (2020) – 4 filmes

Uma “Mostra de SP” para chamar de sua. Inicia em 22/10, mas o CinemaEscrito já aponta algumas opções

Por Luiz Joaquim | 19.10.2020 (segunda-feira)

As restrições de convívio social por conta da pandemia estão a proporcionar mais uma situação improvável, ao menos até março passado. Na noite desta quinta-feira (22), inicia-se a 44ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, com seus 198 filmes disponíveis – até 4 de novembro – para qualquer pessoa no Brasil que queira pagar, por filme, o valor de R$ 6 e assisti-lo em algum dispositivo pessoal que reproduza som e imagem (smartphone, tablet, laptop, desktop, smart tv). O acesso se dará pela plataforma própria do evento, o MostraPlay.

Há também a possibilidade de ver alguns filmes pela plataforma do SescSP e do SpcinePlay, que irão exibir 31 filmes gratuitos.

O que significa tudo isso? Que o cinéfilo do Recife, por exemplo, estará adiantado em meses ou até em um ano do tempo que precisava esperar para conhecer os filmes do cardápio da Mostra de SP no circuito exibidor alternativo local: Cine Rosa e Silva, Cinema Fundação e Cine São Luiz.

Alguns (não todos) são títulos fundamentais no contexto do melhor que o mundo oferece hoje e que a Mostra de SP habitualmente apresenta pela primeira vez ao País. Sua seleção costuma apresentar obras que se tornam alvo dos noticiários de cultura no País ao longo dos 12 meses seguintes.

Em meio a tantas opções e pouco tempo (14 dias) para aproveitar esse volume de filmes, o CinemaEscrito irá comentar, a partir de hoje e ao longo do evento, alguns títulos que podem não apenas fazer valer o investimento do leitor no aluguel da sessão, mas, para além do ponto de vista pragmático do negócio, aguçar a sua sensibilidade para o que há de provocador, audacioso e estimulante no cardápio desta 44ª Mostra de SP.

Para começar, fazemos uma breve apreciação de quatro títulos distribuídos nos programas Novo diretores e Perspectiva internacional.

“Mães de Verdade”

Mães de verdade (Asa ga kuru, Jap., 2020), de Naomi Kawase, 140 min. 14 anos. Perspectiva internacional – Mais conhecida no Brasil por seu A floresta dos lamentos (2007), premiado em Cannes, e O segredo das águas (2014), Kawase nos apresenta agora em seu novo filme dois contextos entrelaçados por um roteiro meticulosamente tratado para atiçar a atenção de seu espectador. O que se inicia como o drama de um casal que não consegue engravidar e recorre à adoção, envereda por outro drama, o da gravidez indesejada na adolescência. Com as duas situações amarradas, Mães de verdade (e o título é aqui estrategicamente provocador), estabelece um conflito difícil de resolver entre a mãe adotiva (Arata Iura, de Pais e filhos, de Koreeda) e a mãe biológica (Aju Makita), tendo o amor incondicional por uma criança como ponto de convergência. Intercalado com sequências contemplativas, que oferecem um respiro contra o sofrimento de seus personagens (como costuma ser o cinema de Kawase), Mães de verdade pode bater forte nas espectadoras maternais se levarmos em conta a circunstância moralmente limítrofe que o enredo estabelece para as suas duas mães, tão bem defendidas por Makita e Iura. O filme terá distribuição no Brasil pela Califórnia Filmes.

“17 Quadras”

17 quadras (17 blocks, EUA, 2019), de Davy Rothbart, 95 min. 16 anos. Novos diretores – Um documentário para não se esquecer, por bons motivos. O diretor Rothbart, neste seu segundo longa-metragem, resolve mais de 1.000 horas de gravações, iniciadas em 1999 e encerradas em 2018, sobre a família Sanford-Durant. Afro-americanos residentes em Washington, num bairro pobre e violento, a apenas 17 quadras do Capitólio. A proximidade do diretor com os Sanford-Durant, iniciada em 1999, é o ponto de partida para um projeto sem pretensões, com a maioria das imagens feitas em VHS por Emmanuel, o caçula da família, então com 9 anos de idade. Emmanuel é a figura central da história que 17 quadras quer contar sobre essa família disfuncional formada pela mãe Cheryl, viciada em cocaína, o primogênito Smurf, que trafica drogas, e a filha do meio, Denice, que funciona como uma espécie de esteio para que o mínimo do cotidiano funcione naquela casa. Ao contrário de todos, Emmanuel não tem vícios (nem mesmo os legais, não bebe nem fuma), tira ótimas notas, foi o primeiro a concluir os estudos do 2º grau dos Sanford-Durant, sonha trabalhar como bombeiro, conseguiu uma bolsa para uma universidade; e, ainda, namora uma garota igualmente promissora na vida. Quando uma tragédia atinge a família, 17 quadras se concentra em algo que vai assombrar e corroer internamente os seus integrantes, cada um a seu modo: a culpa. A cadência que Rothbart definiu para contar essa história real, que tomou 20 anos para acontecer – e que, ao final do filme, acena com uma possibilidade de redenção – é envolvente e comovente. Não apenas isso, é ilustrativa como poucas ao registrar que, quando alguém é assassinado, todos os integrantes da família da vítima, em certa medida, também morrem. 17 quadras passou pelos festivais de Tribeca e Karlovy Vary, e ainda não tem distribuição no Brasil.

“O Problema em Nascer”

O problema em nascer (The Trouble with Being Born, Ale./Aus., 2020), da Sandra Wollner. 94 min. 18 anos. Novos diretores – Polêmica sob o tema ‘pedofilia’ e ‘objetificação do corpo feminino’ à vista nesse filme que levou o prêmio especial do júri do programa Encontros no último Festival de Berlim, tendo também passado por San Sebastian. A protagonista aqui é o androide Elli/Emil, interpretada por uma atriz de 10 anos de idade, protegida pelo pseudônimo de Lena Watson, e que atuou com uma máscara de silicone para também resguardar sua identidade. A androide Elli pertence a Toni (Simon Hatzil), que ora a trata como uma filha pré-adolescente, ora como a uma mulher. Toni alimenta Elli com as memórias que lhe interessam, e a máquina as assimila sem questionar. Quando Elli se perde do dono, vai parar noutra família e ganha o nome de Emil, atendendo a carência de uma senhora que perdeu o irmão ainda na infância. O que há de interessante em O problema em nascer é a sutileza das reflexões, digamos, internas em Elli/Emil, confusas em sua dúbia ‘programação’ para atender os desejos de pessoas tão distintas. A problematização proposta aqui estaria na ideia de ‘memória’ e suas implicações, tendo Elli/Emil como um objeto, uma máquina com forma de gente que existe para suprir carências. Falando assim, em 2020, nem parece ficção científica. O filme ainda não tem distribuição no Brasil.

“Mamãe, Mamãe, Mamãe”

Mamãe, mamãe, mamãe (Mamá, mamá, mamá, Arg., 2020), de Sol Berruezo Pichon-Rivière. 65 min. Livre. Aos 24 anos, a diretora Sol Berruezo acaba de concluir seu curso de cinema na Universidad del Cine, de Buenos Aires, e entrega ao mundo esse seu primeiro longa-metragem com doses do que há de feminino em alta voltagem, menos pelo quesito maternidade e mais pela que há de rico na sororidade presente nessa história, ou simplesmente na amizade entre meninas. O filme parte de um luto vivido por uma mãe que deixa de dar atenção à filha mais velha, Cleo, que está igualmente traumatiza pela perda da irmã mais nova. Na rede de cuidados criada para ajudar mãe e filha, entram em cena a tia de Cleo e suas primas Leôncia, Manuela e Nerina. As primas não alcançam a dor pela qual vive Cleo, mas a ajudam como uma estrutura humana de carinho sobre outras questões conflituosas próprias em uma adolescente de 12 anos de idade (a primeira menstruação, o primeiro beijo, etc). Simples, preciso, e comovente em sua concisão, Mamãe, mamãe, mamãe antecipa mais um novo talento nascente na cinematografia argentina. A obra recebeu menção especial do júri no programa Generation em Berlim, passou pelo festival de San Sebastian e ainda não tem distribuição no Brasil.

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