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Críticas

A Escavação

Filme injusto sobre uma injustiça

Por Luiz Joaquim | 07.02.2021 (domingo)

Uma das grandes ironias de A escavação (The Dig, GB, 2021) é que o filme nasce a partir de um contexto de injustiça contra o arqueólogo e astrônomo autodidata Basil Brown (1888-1977) para colocá-lo em evidência e, no final das contas, o filme do jovem diretor Simon Stone acaba usando-o como um mote secundário, e daí enxerta outros dramas particulares fora do foco da vida do protagonista.

É provável que A escavação (disponível desde 29/1), desta forma, funcione como ótima peça ilustrativa do modus operandi de uma produção Netflix, tendo um jovem diretor ou roteirista (o guião é uma adaptação do livro de John Preston) sem a força da palavra final sobre seu trabalho. Isso porque os ‘motes secundários’ soam aqui como perfeitos dramas paralelos atendendo às ânsias de pautas algorítmicas.

Exemplo? Temos um dos integrantes (Ben Chaplin) da equipe arqueológica que retrai sua homossexualidade e é casado por conveniência com Peggy, uma jovem (Lily James) iniciante na profissão. Esta, por sua vez, se apaixona por Robert (Archie Barnes), jovem prestes a ser convocado pela força área britânica para lutar contra a Alemanha de Hitler.

O romance “proibido” acontece, mas só depois de Peggy liberar seu marido para ele viver o seu amor homossexual, e não antes dela, com uma imagem simbólica envolvendo alianças matrimoniais, serem descartadas de modo a deixar bem claro ao espectador que ali ninguém está traindo ninguém. É quase educativo.

Cena de “A Escavação”

E Basil (Ralph Fiennes)? Bom, ele está ali sempre ao redor da mãe e viúva Edith Pretty (Carey Mulligan), a jovem aristocrata que o contratou para fazer escavações em sua propriedade por entender que a região esconde alguma revelação arqueológica, ainda que modesta.

A paixão de Edith pelo assunto só não a levou a entrar numa universidade na juventude por proibição de seu pai (estamos na Grã-Bretanha pré-Segunda Guerra). Já Basil é um homem simples, mais velho, que só não estudou formalmente por falta de recursos. Tudo que aprendeu sobre arqueologia e astronomia foi por movimentos particulares e autodidata.

Tornou-se um dos mais cobiçados escavadores da região exatamente pelos seus conhecimentos, mas sem nunca ter alcançado o prestígio de um cientista. Entretanto, ao ser contratado por Edith, encontra um tesouro arqueológico, daqueles que ajudam a reescrever a história, no caso, da cultura anglo-saxã do século V.

O foco, então, deveria concentrar-se nessa conto de injustiça, mas A escavação prefere dourar a pílula em outros conflitos paralelos, donos de, digamos, maior apelo a um juvenil público netflixense.

Nesse sentido, personagens que parecem tão ricos como os de Basil e o de Edith ganham pouco espaço no enredo como um todo, tal qual a barraquinha miserável de Basil quando este precisa se abrigar em dias de chuva no seu sítio arqueológico. Uma pena.

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