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Críticas

Eu me Importo

Um roteiro que cavalga, tal qual uma criança feliz, sobre o lombo de um serviçal autoindugente.

Por Luiz Joaquim | 21.02.2021 (domingo)

São tantos os furos no roteiro de Eu me importo (I Care a Lot, EUA, 2020) que o novo filme da Netflix estrelado por Rosamund Pike poderia ser comparado a um queijo suíço. Melhor fosse se comparado ao camembert da normandia, um dos queijos mais fedorentos do mundo (isso se a Netflix emitisse odores).

A história da cuidadora de velhinhos e velhinhas que, na verdade, não precisam de cuidados de ninguém mas são obrigados pela lei a serem mantidos sob a guarda de Marla (Pike) – graças a um cambalacho montado entre a cuidadora, uma geriatra (Alícia Witt) e um abrigo de idosos – se esforça para dar tantas reviravoltas no enredo que acaba emaranhando-se numa continua sequência de situações que fazem o espectador levantar uma mesma pergunta a cada 15 minutos: “Mas como ela soube/conseguiu isso?”.

Elza Gonzáles, Diane Wiest e Rosamund Pike em cena de “Eu me Importo”

Se a resposta viesse na sequência, ou no final do filme, tudo bem. Mas o roteiro de J. Blakeson parece mais interessado em empurrar situações inaceitáveis para que a brincadeira do faz-de-conta siga seu ritmo, divertindo-se enquanto cavalga montado no inconsequente desejo de encontrar possíveis espectadores emburrecidos pela dormência intelectual.

Nenhum problema com o faz-de-conta do cinema (é essa sua essência), o problema está quando um engodo se leva a sério. Sério seria se vendido fosse como a piada que é. Seria assim também respeitado, uma vez que autêntico no autorreconhecimento de sua proposta ou limitação.

Mas Eu me importo propõe (só propõe, sem alcançar) ares de marco moderno. É um filhote cambaleante e raquítico de boas brincadeiras nascidas nos anos 1990 (e já clássicas), como Jogos, trapaças e dois canos fumegantes. O ‘moderno’ no projeto da Netflix, talvez alguém arrisque, está no protagonismo lésbico contra o bandido anão (Peter Dinklage) de Eu me importo. Que bom esse protagonismo. Que mau esse resultado escrito, dirigido e produzido por homens brancos pautando seus projetos pelos indicativos que seus algoritmo$ determinam.

Messina, como o advogado Dean

Como tábua de salvação a se agarrar aqui, enquanto você boia num mar de manipulação tola, estão Rosamund Pike (que concorre ao Globo de Ouro no domingo 28) e Peter Dinklage, sem esquecermos Dianne Wiest, sempre roubando a cena. São atrizes e ator imensos em sua capacidade de sedução, mesmo com (talvez principalmente por) um mínimo de expressão que nos dão com seus rostos. Que sorte de Blakeson ter gente assim ao seu lado. Que pena que essa gente não está ao lado de outro diretor/roteirista.

Não por acaso, os raros instantes de iluminação cinematográfica estão nos encontros cara a cara, em close, entre esses atores. Estão no embate de forças entre as personagens de Pike e Wiest no abrigo de idosos, no encontro de olhares entre Pike e Dinklage, e naquele que é um realmente bom momento de Eu me importo, quando Marla percebe onde está se metendo ao encontrar o advogado (o ator Dean Messina, de Argo) do chefe da máfia russa. Guardem o nome Messina.

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