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Festivais

26º ETV (2021) – dois curtas-metragens

A melhor crônica sobre o confinamento de nós mesmos + as vísceras de um reencontro necessário.

Por Luiz Joaquim | 21.04.2021 (quarta-feira)

E14 (R.U., 2020, 19 min.), de Peiman Zekavat.

Um pequeno tesouro parece ter passado desapercebido pelos espectadores do 26º É Tudo Verdade: Festival Internacional de Documentários, a julgar pelos parcos comentários da crítica especializada. Com o seu título de pouco apelo atrativo, o curta E14 (em menção a área de Londres retratada no filme) foi todo gravado pelo cinegrafista Zekavat de seu apartamento durante as duas primeiras semanas de lockdown na capital inglesa, num estranho março de 2020.

O resultado? Soa como umas das mais interessantes crônicas audiovisuais a respeito do que nos transformamos na condição de encarcerados de nós mesmo, ignorantemente assustados com o outro por conta de uma nova doença preocupante, desafiadora.

Por lentes com zoom superpotentes, dotado de uma paciência de Jó e cercado de alguns arranha-céus e outros prédios residenciais mais discretos, Zekavat registrou o comportamento que seus vizinhos, numa zona privilegiada da cidade, deixavam escapar por varandas e janelas, revelando o tédio e/ou o engenho criado para fugir dele, dando assim um recorte seco, cru do quão frágil somos quando vistos assim, de longe, presos.

Impossível não fazermos referência ao Janela indiscreta do Hitchcock, com o detalhe de que o Jeff dessa história londrina não será um herói, mas apenas, e só, um observador distante, que tenta analisar aquilo que ele gostaria de entender mais não consegue; como, por exemplo, a especulação imobiliária gerando enormes prédios de luxo em seu bairro que continuam subindo, mas vazios de moradores e sem um sentido urbanístico propriamente dito.

Com seu off afiado, entre o cômico e o melancólico, sempre “explicando” as invenções de seus isolados vizinhos, o Jeff de E14 talvez esteja mais para o Sérgio de Memórias do subdesenvolvimento, desiludido com aquilo que se apresenta diante de si. Nós, os humanos, e a sua cidade, não mais reconhecível.

 

Um pai que você nunca teve (Dad you’ve never had, Pol., 2020, 30 min.), de Dominika Lapka.

Não foi à toa que Um pai que você nunca teve foi eleito o melhor curta-metragem polonês de 2020 no Festival de Varsóvia. Nessa história, que fotografa impressionante bem a intimidade de um encontro de filha e pai após décadas de afastamento deliberado, o espectador torna-se quase um intruso desconfortável. Constrangido pela proximidade com que acompanha os primeiros instantes desse momento tão aguardado pela filha Dominika (diretora do filme).

O constrangimento vem por conta do encontro ser tão desajeitado quanto se revela o pai, um octogenário, com pouco tato para a condição da filha esquecida por ele.

Vivendo sozinho num apartamento cercado pelos seus livros e pela saudade da outra filha que tirou a própria vida (fruto de um segundo casamento), o velho é firme naquilo que acreditava na juventude – a urgência dos prazeres do corpo –, e ainda acredita na velhice, mesmo que o seu corpo já não mais urja pelos mesmos prazeres.

Mais uma vez: impressiona como Dominika trabalha a sua invisível câmera nesse ambiente tão denso e particular, nos colocando ao seu lado nessa descoberta de um pai que é seu, mas nunca foi seu.

São dois adultos conversando civilizadamente sobre um passado não resolvido, mas com um deles (Dominika) sendo, para sempre, a vítima de um descaso aparentemente não dimensionado pelo pai desse descaso, em tudo que diz respeito ao tamanho dessa tristeza. É duro, e necessário, esse Um pai que você nunca teve.

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