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Os 1970s que Amamos (#31)

Loucuras de Verão (American Graffiti, 1973)

Por André Pinto | 03.06.2021 (quinta-feira)

Para muitos, a década da Nova Hollywood marca o grande momento em que os diretores chutaram os executivos dos grandes estúdios e assumiram as rédeas do cinema americano.

Não foi bem assim. Nos bastidores, a batalha psicológica e física para tirar uma obra do papel era constante. Como em Warriors, os guerreiros da noite, as tribos que se duelavam entre si tinham como prêmio máximo o reconhecimento da indústria e a garantia de desovar projetos futuros.

Tínhamos os produtores, que se achavam a matéria prima básica dos projetos que se tornariam grandes sucessos. Bert Schneider e Robert Evans constantemente se intrometiam em todas as etapas de produção de um filme. Evans, principalmente, se colocava como verdadeiro autor das obras célebres dos 1970. Era o terror dos diretores, que constantemente usavam de estratégias de guerra para afastar o produtor do set ou de qualquer outra função. “arranje a grana pra gente e fique na sua” era a resposta-chave pra espantar a “raça”.

Existia a tribo mais injustiçada da Nova Hollywood: os roteiristas, vítimas prediletas dos diretores. Brigavam para que suas ideias fossem preservadas no produto final. Mas era impossível. Eram proibidos de estarem no set, e muitas vezes apenas fiapos de suas narrativas eram aproveitadas. Os diretores, em seus egos inflados, praticamente jogavam fora as páginas escritas e estimulavam o improviso, quando não mudavam completamente o rumo de plots e destino de personagens. Robert Towne e Paul Schrader foram algumas das vítimas conhecidas.

Os chefes de estúdio também não eram um páreo fácil. Ainda estavam presentes, ameaçando todos com cancelamento de filmagens com atraso, corte de verbas, e perseguindo diretores e produtores para confiscar as latas com material filmado.

Os atores também representavam uma força decisiva nesta batalha. Warren Beatty era a celebridade que tinha projetos pessoais debaixo do braço. Era ator, produtor e diretor. Tinha controle criativo quase total em vários de seus filmes. Por vezes um diretor era apenas um contratado para a função, e não o auteur máximo.

Atuando quase por fora, e constantemente eclipsadas pelo machismo exacerbado dos “deuses da nova hollywood”, tínhamos as mulheres, as grandes batalhadoras anônimas que lutavam por espaço profissional no mercado. Temos aí a roteirista Glória Katz, a diretora Elaine May, as montadoras Márcia Lucas e Verna Fields, as atrizes Margot Kidder, Julie Christie, Faye Dunaway, e produtoras como Julia Philips, além de forças criativas como Polly Platt, que talvez tenha sido a mais injustiçada de todas. Grande parte das ideias de Platt foram absorvidas pelo marido Peter Bogdanovich em suas produções mais célebres. No fim apenas o diretor colheu os louros.

Mas porque todo esse preâmbulo para chegar em American Graffiti? Porque o filme de George Lucas é o microcosmo dessa luta ferrenha pela autoria de uma obra de sucesso.

O filme custou 700 mil dólares e arrecadou perto de 100 milhões de dólares nos EUA. Foi um dos maiores triunfos da história do cinema. Isso para um filme que tinha um orçamento que hoje seria de uma produção independente, mas que tinha a Universal por trás.

American Graffiti é uma visão bem particular e única da juventude na América Pré-Guerra do Vietnã. George  Lucas dividiu sua personalidade em personagens que representam diferentes facetas e passagens de sua vida: O tímido e desastrado Terry (Charles Martin Smith), o marginal selvagem John Milner (Paul Le Mat), o intelectual Curt (Richard Dreyfuss) e o popular e metido à besta da escola (Steve [Ron Howard]). A narrativa se desenvolve praticamente em diálogos dentro de carrões vintage desfilando no meio da rua, numa noite de verão em Modesto, Califórnia.

A produção do filme foi no mínimo acidentada: Lucas encontrou dificuldade em tocar diversas cenas, dada a sua pouca experiência na direção. Ao escrever o roteiro, precisou de uma ajuda de Willard Huyck e Glória Katz para ajustar alguns plots e resoluções. Logo os três entraram em conflito sobre o clímax do filme. Katz achou a conclusão depressiva demais e apontou que Lucas estava minimizando a importância das personagens femininas na história. Com o baixo orçamento, o diretor conseguiu fazer com que parte da equipe trabalhasse quase de graça. Prometendo colocar o nome de todos nos créditos finais, Lucas sem querer estabeleceu a longa tripa vertical de scroll que existe até hoje em todos os filmes. Bateu o pé para ter 45 músicas de rock famosas e criou o hábito posterior de trilhas de filmes conterem apenas coletâneas de canções. Na pós produção, Verna Fields abandonou a montagem, deixando Lucas sem saber o que fazer com o material. A esposa Márcia Lucas e Walter Murch entraram no projeto para salvar American Graffiti.

E não poderia deixar de mencionar a grande batalha final sangrenta entre produção, estúdio e direção na fatídica exibição teste do filme no Northpoint Theater em São Francisco. A plateia indo ao delírio com a exibição, enquanto o chefe da Universal na época, Ned Tanen, dizendo em alto e bom som que o filme era ruim e que seria arquivado. George Lucas, tendo uma síncope cardíaca, sem entender porque Tanen estava dizendo aquilo diante de uma plateia animadíssima. Coppola, então produtor do festival, um macaco velho, vendo que Tanen estava praticando tortura psicológica com o pobre Lucas, ameaça tirar o filme das mãos da Universal e lançar com outro estúdio. Isso tudo num espaço de algumas horas de exibição de um filme que ficaria retido pela Universal durante seis meses até ser liberado no circuito comercial para ser um dos maiores sucessos do estúdio.

Assim eram os 1970.

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