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Críticas

Não Há Mal Algum

Não há mal algum na pena de morte

Por Ivonete Pinto | 13.09.2021 (segunda-feira)

There is no evil, de Mohammad Rasoulof , que no Brasil ganhou o título de Não há mal algum, foi o grande vencedor do Festival de Berlim de 2020. Está sendo descrito  por aqui como “um filme iraniano singular”, isto porque nem mesmo a imprensa especializada está habituada com produções  que não seguem o que se espera de um filme iraniano, ou seja, não tem crianças, não é lento e não se estrutura em metáforas. Ao menos não aquelas em que Asghar Farhadi  costuma trabalhar, na quais dá  apenas uma leve ideia das relações de poder no Irã (só para citar os oscarizados A separação e O apartamento).  Mohammad Rasoulof é direto. Talvez por vir do documentário ou por ter estudado sociologia, ao mostrar  um presídio, não há figuras de linguagem, apenas a ironia do título. Uma prisão é uma prisão; a pena de morte é a pena de morte. Este é o cenário das histórias contadas por Rasoulof tendo, inclusive, o ponto de vista do carrasco como um dilema moral  importante em relação a filmes com esta temática.

Não há mal algum  provavelmente não seria o mais cotado para ganhar o Urso de Ouro não fosse sua epiderme política lato sensu. O diretor iraniano sequer pode estar presente em Berlim,  pois teve o passaporte confiscado e está proibido de filmar até 2022 (a filha Baran Rasoulof , também atriz do filme, o representou). Uma penalidade do tipo à sofrida pelo conterrâneo Jafar Panahi, que venceu o mesmo festival com Táxi, em 2015.

Tentando driblar o spoiler é possível dizer que  Não há mal algum  é composto por quatro histórias que têm como eixo central um soldado diante da tarefa de executar condenados à morte e os desdobramentos no caso de uma recusa. O enredo apresenta alguns clímax fortes, ao  mesmo tempo que irregularidades narrativas e certas inconsistências. Na própria coletiva de imprensa em Berlim, um jovem que cumpriu o serviço militar no Irã contestou a possibilidade de um soldado chegar naquela situação, pois a execução de presos tem sua divisão específica e os militares não são surpreendidos com a natureza de sua função. De qualquer forma, é uma ficção e certas invenções são necessárias como recurso dramatúrgico. Mas vai dizer isto para o regime iraniano… Naturalmente, Rasoulof fez um filme mirando plateias estrangeiras. Ele tinha plena consciência de que o filme seria proibido, já que quando apresentou o roteiro para o Ministério da Cultura não obteve permissão para filmar e esta é a condição primeira para realizar um filme  dentro dos conformes da lei no Irã. Filmou mesmo assim, numa atitude de guerrilha como muitos de seus compatriotas hoje em dia.

O júri da Berlinale, presidido pelo ator Jeremy Irons e que contou com Kléber Mendonça Filho, entendeu a força política que a obra ganharia com o prêmio e deu a ele o Urso de Ouro. Aliás, o mesmo concedido ao brasileiro Tropa de elite em 2008. Prêmios em geral têm um bom grau de subjetividade e em Berlim o teor artístico às vezes fica em segundo plano. Não há mal algum  é relevante uma vez que atinge todo um questionamento sobre o cumprimento cego a ordens que violam direitos humanos, mas não acrescenta ao cinema como arte. Outro júri, outro festival, poderia tranquilamente eleger outro filme. Os diretores  Hong Sang-soo, Rithy Panh e Tsai Ming-Liang estavam concorrendo com obras mais instigantes quanto à estética e a linguagem. Porém, a  pena de morte, seja nos Estados Unidos ou no Irã, é um tema por demais mobilizador, talvez porque seja impossível compreender como ela ainda existe.

*Parte deste texto constou do Balanço da 70ª edição da Berlinale para o jornal Zero Hora/RS

** Nota do editor: Não há mal algum pode ser visto por streaming pelos canais AppleTV – Now – Sky Play – Vivo Play

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