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Críticas

A Separação

Do que é feito uma família?

Por Luiz Joaquim | 24.02.2012 (sexta-feira)

Vez por outra surge nos cinemas uma obra pequena, do ponto de vista da produção, mas gigante pela perspectiva humana e cinematográfica. Torna-se, então, uma unanimidade mundial e começa a chamar atenção por onde quer que passe. “A Separação” (Jodaeiye Nader az Simin, Irã, 2011), de Asghar Farhardi é o mais novo destes exemplares e acaba de entrar em cartaz no Recife, pelo Cinema da Fundação Joaquim Nabuco.

“A Separação” começou sua jornada de sucesso há quase um ano, quando foi lançado em fevereiro de 2011 no Festival de Berlim e de lá saiu com quatros prêmios, entre eles o de melhor filme, ator (Shahab Hosseini e Peyman Maadi) e atriz (Sareh Bayart e Leila Hatami). Há cinco semanas o filme amealhou outro grande prêmio mundial, o de melhor filme estrangeiro no 69º Globo de Ouro. Depois de amanhã, na cerimônia do 84º Oscar, pode receber a maior condecoração da indústria do cinema. E são duas as suas chances: por filme estrangeiro e por roteiro original, pelo qual concorre com “Meia-Noite em Paris”, “O Artista”, “Margin Call” e “Missão Madrinha de Casamento”.

Mas o que faz de “A Separação” um fenômeno, cujo resultado oferece 100% de garantia de envolvimento àqueles que o assistem? Se tentarmos traduzir numa equação matémática ou cinematograficamente lógica, a resposta será insatisfatória. Pior, será injusta. Isso porque “A Separação” passeia, com precisão cirúrgica, por questões caras a humanidade. O que está em jogo aqui – colocada numa história “simples” (atenção para as aspas) – são, em primeira instância, a família, a honra e a fé.

Há ainda um outro condimento que torna “A Separação” em algo tão sedutor: a identificação. A tal história “simples” é passível de acontecer a qualquer pessoa, inclusive você leitor. Conseguir promover esse tipo de empatia com o espectador, na qual ele se percebe na pele de um ou outro personagem, é um das tarefas mais difíceis no cinema. Ela acontece, geralmente, por uma comunhão, afinadíssima, entre boa direção, atuação, roteiro e mise en scène. Tal combinação sobra em “A Separação”.

Como foi dito, a primazia do roteiro, assim como um jogo de xadrez, está em nos colocar numa circunstância em que não há como apontar culpados ou inocentes. Todos erram e todos, naturalmente, tentam se defender pelo irrefultável fato de que eles são seres humanos. O que chama a atenção aqui é a presença, quase palpável no ar, dos personagens preocupados em manter-se em paz com a honra e a fé.

Não a “honra” como o cinema ocidental costuma vender (algo como um prêmio para o vencedor), mas sim como a manutenção da dignidade, para poder continuar vivendo em harmonia consigo proprio e com a sociedade. E não a “fé” como algo cego, mas sim como uma sabedoria acima de nossa capacidade de discernimento, cujo nenhum homem temente ousaria desafiar.

É por tomar estes dois nortes como definidores absolutos da razão de o homem ser definido e existir como “um homem” que “A Separação” concentra toda sua problemática. A solução que ele (o filme) quer encontrar é uma só, o bem estar na família. Entidade sugerida aqui como a mais importante pela qual vale a pena seguir em frente e lutando.

Ao contrário do que se imagina, “A Separação” não se reduz ao conflito pelo divórcio do casal de classe média Nader (Maadi) e Simin (Hatami), pais da menina adolescente Termeh (Sarina Farhardi, filha do diretor). A contextualização do desejo de Simin querer ir morar no exterior e levar a filha, ao contrário do desejo do marido Nader, que quer ficar no Irã e continuar cuidando do pai com Alzheimer, é posta logo nos primeiros cinco minutos do filme.

O conflito é apenas o ponto de partida para desenhar todo um cenário de complicadores que irá refletir os efeitos da desarmonia de uma família. Enquanto Simin passa a morar com os país enquanto o divórcio não é definido, Nader contrata Razieh (Bayat) para fazer serviços domésticos e cuidar de seu pai doente. Razieh aceita o serviço, mas sob sigilo, sem contar ao marido Hodjat (Hosseini), pois ela sabe que ele não permitiria.

Acontece que um acidente vai quebrar o curso natural da decisões e salientar as fragilidades dos segredos de cada um, escancarando o desespero de todos em chegar à verdade. Seja em função da honra, da fé, ou dos dois; sempre de olho na família.

Vale reforçar as inúmeras situações criadas pelo diretor e roteirista Farhardi. Todas defendidas magistralmente pelo elenco, em conflitos que o espectador não consegue visualizar uma solução amigável. É uma tensão, sempre no limite, que deve manter o públlico em constante estado de alerta. E a condução de todas estas situações se amarram numa estrutura pela qual é difícil imaginá-la contada de outra maneira. É esta precisão e sensibilidade que torna “A Separação” num dos mais fortes filmes de 2012 e, desde já, um novo ponto de referência cinematográfico para o tema “família”.

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