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Críticas

Downton Abbey 2: Uma Nova Era

Novo filme mantém charme da série de TV, mas a vibração do início se foi

Por Renato Felix | 13.05.2022 (sexta-feira)

Vocês se lembram de Downton Abbey? O começo da série, em 2010, partia da premissa de que a propriedade inglesa que batizava o programa era comandada por Robert, o conde de Grantham (Hugh Bonneville). Mas ele tinha três filhas e, pela lei, a propriedade só poderia ser herdada por um homem. Estava tudo certo, já que a mais velha, Mary (Michelle Dockery), estava noiva do primo herdeiro – só que a história começa em 1912, com ele morrendo no Titanic. O próximo na fila de sucessão é um jovem primo distante que vive em Londres se revela pouco afeito àqueles rococós da nobreza.

A partir daí há um choque cultural que espelha a própria Inglaterra, com essa família de nobres tendo que encarar os tempos que estão mudando. Quando o rapaz diz que vai resolver alguma coisa no fim de semana, a veterana matriarca vivida por Maggie Smith pergunta: “O que são ‘fins de semana’?”. Mas ele também precisa se adaptar: acha que é humilhante para o valete designado a ele a posição de ter que ajudá-lo a se vestir. Mas, desconcertado, vê que o valete se sente humilhado mesmo é quando o patrão recusa o serviço. “O que eu estou fazendo de errado? Por que ele não me deixa vesti-lo?”.

Maggie Smith: “O que são fins de semana?”

Downton Abbey também dá o mesmo peso dramático aos empregados no andar de baixo. Faz isso aos moldes do que o próprio roteirista Julian Fellowes já havia feito no filme Assassinato em Gosford Park (2001), por sua vez bebendo da fonte de A Regra do Jogo (1939). Os criados também possuem uma rígida hierarquia e estavam envolvidos em suas próprias intrigas.

A principal dizia respeito a Bates (Brendan Coyle), companheiro de guerra do conde, trazido por ele para ser seu valete. Manco por causa de um ferimento, o corpo dos empregados duvida de sua capacidade de fazer o trabalho. Além disso, há quem já estivesse de olho na função, o que desperta inveja e sabotagem: quando estão todos perfilados para a passagem da família, sua bengala é puxada para que ele se ‘estabaque’ na frente do patrão.

Mary, a filha mais velha, bastante esnobe, mesmo que tenha que engolir o machismo de não herdar a propriedade do pai apenas por ser mulher, ainda é quase estuprada dentro da casa, mata o agressor e, se livra do corpo com a ajuda de uma criada: as duas levando o cadáver pelos corredores escuros de Downton Abbey.

Era assim que a série começava: fascinante e de tirar o fôlego. Com comentários inteligentes ou engraçados sobre o conflito modernidade versus tradição e personagens para serem amados e odiados. Fez um sucesso danado, foi premiada e garantiu longa vida. Tanto que está nos cinemas Downton Abbey II – Uma nova era (“Downton Abbey – A New Era”, 2022), o segundo filme após seis temporadas da série.

Cena de “Downton Abbey 2”

O que aconteceu nesse meio tempo é que não só o público se afeiçoou aos personagens – aparentemente Fellowes também. Permaneceu alguma observação sobre a mudança dos tempos para os ingleses naquele começo de século XX, as cirandas amorosas, mas aquele aspecto quase brutal a que os personagens eram submetidos naqueles primeiros episódios foi ficando esmaecido. Com o passar das temporadas, rivalidades ferozes foram se apagando e vilões foram saindo de cena ou ganhando humanidade. A empatia do andar de cima com o andar de baixo cresceu pelas frestas das regras de etiqueta. Julian Fellowes parece que começou a ter receio de macular as personalidades de seus personagens e as tramas ficaram apoiadas no carinho do público por eles, construído ao longo dos anos.

As últimas temporadas sofreram com esse fenômeno e também o primeiro filme, de 2019, mas em especial este segundo. Quase nada de impactante acontece e o filme é cheio de falsas premissas que não se concretizam. E também precisa dar tramas a todo o seu numeroso elenco: e o que normalmente seria desenvolvido ao longo de sete episódios é concentrado na duração de um filme. É rápido, sem se aprofundar quase nada, mas Downton Abbey II realmente se esforça, ao menos, a dar um final a quem ainda não tinha.

O filme tem duas tramas. A família é surpreendida quando Violet, a octogenária matriarca herda inexplicavelmente uma “villa” no sul da França. Enquanto uma parte da companhia ruma para a nova propriedade para tentar descobrir o motivo, a outra parte lida com Downton sendo ocupada por uma equipe de filmagem que paga uma boa grana para usar a casa como cenário.

Mas é 1927 e a tentativa de fazer mais um sucesso do cinema mudo é atropelada pela chegada do cinema falado. A trama, a partir daí, recicla um plot de Cantando na Chuva (1952): a equipe decide transformar o filme silencioso em sonoro, mas a estrela tem péssima voz, a invenção da dublagem vem salvar a pátria.

Seguir alguns dos passos mais conhecidos de um dos melhores filmes do mundo é só mais uma demonstração de como Downton Abbey II resolveu não arriscar em nada. É uma pena porque o charme resiste, mas não há mais aquela vibração inicial para contrabalançar a atmosfera dessa história. O filme não é mais do que um episódio longo e morno.

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