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Digital

O Assassino da Furadeira

Aurora DVD lança primeiro longa comercial de Abel Ferrara

Por Luiz Joaquim | 04.01.2006 (quarta-feira)

Pode parecer bairrismo ou protecionismo quando se escreve, nos jornais locais (Recife), a respeito dos lançamentos da Aurora DVD. Mas não é. Para comprovar, basta alugar qualquer um dos 17 títulos de seu atual catálago. Desde que entrou no mercado de home-video, em abril último, a distribuidora recifense vem disponibilizando não só filmes raros e obscuros (mas de alto valor cinematográfico) como também vem permitindo uma revisão sobre cineastas outrora consagrados e que, hoje, digamos, estão ausentes da mídia.

Prova disso está num dos novos títulos já nas locadoras: “O Assassino da Furadeira” (The Driller Killer, EUA, 1979), do diretor Abel Ferrara, 54 anos. Apesar do título nada convidativo, o filme, que é o primeiro trabalho comercial de Ferrara, já dá pistas do que este autêntico outsider da indústria norte-americana viria a nos oferecer. Melhor: ajuda a assimilar um universo urbano sujo e decadente (o novaiorquina, em particular) que sempre circunda suas histórias. São histórias recheadas com mulheres sem roupa e assassinatos medonhos, compondo um gênero que se convencionou ser chamado de “Exploitation Movies”, nos EUA. Talvez, para alguns, seja heresia dizer que Ferrara seria um Martin Scorsese sem polimento e de educação estética própria, mas é possivelmente a melhor maneira de traduzir, aos leigos, qual é o estilo deste cineasta nascido e criado no Bronx.

O disco que a Aurora trouxe ao Brasil é um pérola, não só por conter o longa-metragem “O Assassino da Furadeira”, mas também pelos extras, no caso, os três primeiros curtas-metragens do então estudante Ferrara – “O Filme de Nick” (1971), “O Assalto” (1972) e “Será que Isso É Amor?” (1973) – como também por um apaixonado depoimento (bem ao seu estilo) de nove minutos nos quais Ferrara fala sobre seu romance com a modelo e artista plástica Nadia Von Loewenstein, que atuou no último dos curtas citados.

Ainda nos extras do DVD está o trailer do sexualmetne explícito “Nove Vidas de Um Gata Molhada” (Nine Lives of a Wet Pussy, 1976) – seu primeiro longa, assinado sob o pseudônimo de Jimmy Boy L. É também com o nome de Jimmy Lane que Ferrara atua protagonizando “O Assassino da Furadeira”, e fazendo figuração em seu filme seguinte “Sedução e Vingança” (Ms. 45, 1981), como um estuprador encapuzado que, num beco, ataca uma muda.

Em “O Assassino da Furadeira”, temos um obscuro e fascinante documento retratando não só a pungente atmosfera Punk em Nova Iorque no final dos anos 1970, como também a presença do estilo pop-art que chamava a atenção do mundo. Não é a toa que pode se verificar a presença, nestes primeiros filmes de Ferrara, pinturas esteticamente próximas ao que Basquiat criava. O próprio “Bufalo” – a tela que leva o artista plástico Jimmy Lane (Ferrara) à loucura e fazendo-o sair pelas ruas furando mendigos e bêbados (os quais Ferrara registra em momento escatológico) – ganhou importância e está hoje na National Gallery, em Washington D. C.

Rodado sem pretensões e com muito carinho nos finais de semana de 1977 e 1978, “O Assassino…” apresente Jimmy Lane como um misântropo, avesso à sociedade, que tem o limite extrapolado quando seu marchand renega sua última obra, feita sob sacrifício por conta do barulho gerado pelos vizinhos punk. Eles são a banda Roosters, ensaiando dia e noite.

Mas o melhor do DVD está nos comentários do diretor. Talvez os mais audaciosos já incluidos num home-video. Com uma articulação quase-incompreensível, os murmúrios de Ferrara chegam à incoerência em alguns momentos. Nada mais adequado se associá-los à cultura pop-marginal de onde ele surgiu. É, enfim, saboroso ouvir seu entusiasmo com uma seqüência de nú (“aqui vamos nós”, diz ele em tom de babão), ou com uma chacina elaborada há quase três décadas; ao mesmo tempo que faz uma auto-crítica, com sua maturidade de hoje, dizendo e rindo de si próprio “que diretor reacionário e chauvinista”.

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