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Reportagens

Van Gogh inspira animação pernambucana

Animação com massa de modelar fará ode a perseverança

Por Luiz Joaquim | 29.05.2009 (sexta-feira)

Há exatos 120 anos, lá no sul da França, Van Gogh estava internando num asilo em Sant-Rémy e ali criou um de seus mais famosos quadros pós-impressionista, “A Noite Estrelada”. Hoje, no último andar da casa do “Canal das Artes”, na rua Vigário Tenário, Recife Antigo, um novo curta-metragem pernambuco está em gestação. Não é um filme qualquer, trata-se da animação com massa de modelar “Dia Estrelado” que a estudante de jornalismo Nara Normande vem desenvolvendo desde o final de 2005.

Ambas obras têm conexão não apenas pelo título mas também pela plástica sugerida no céu pintado pelo holandês, e no céu modelado por Nara em sua principal maquete. “Desde o início do projeto, eu tinha certeza de pelo menos uma coisa, que queria fazer uma releitura do céu de Van Gogh”, relembra a cineasta.

Colocando a tal certeza à parte, Nara não tinha muita compreensão da dimensão da produção que “Dia Estrelado” iria ganhar ao longo dos anos. No início, acreditava que podia fazer tudo num grande quarto e em poucos dias com papelão e barro. À medida em que desenvolvia o roteiro, chegando a uma definição satisfatoria no final de 2006, inscreveu o projeto no Sistema de Incentivo a Cultura (SIC) do Recife e recebeu R$ 40 mil.

O recurso ajudou na pré-produção de “Dia Estrelado”, que incluiu um aprimoramento de Nara para chegar na excelência técnica que procura conseguir em seu filme. “Além de ser nossa primeira experiência em cinema no campo da modelagem, não tínhamos nenhuma referência na cidade para tirar dúvidas com relação a detalhes técnicos do processo”, conta. Para aprender, foi a São Paulo e fez uma oficina com Fábio Yamaji em animação stop motion.

Também em São Paulo, conheceu a respeitada diretora de arte e cenógrafa Maíra Mesquita (de “Os Sapatos de Aristeu”) a quem Nara contratou e a quem deve mudanças conceituais plásticas que foram determinantes para o visual definitivo de “Dia Estrelado”. “Num outro momento”, explica Nara, “viajamos com Maíra para as redondezas de Cabaceiras (PB) em busca de referências que inspirassem o cenário do filme”.

Concluídas essas definições, era preciso um novo investimento para Nara literalmente, com o perdão do trocadilho, por a mão na massa. “As pessoas trabalham com latex mas eu queria passar pelo processo da massa de modelar mesmo. Queria que essa textura aparecesse no filme, que a impressão do artesanal fosse visível”. Para alcançar esse resultado, era preciso uma massa especialmente fabricada para tanto, e em grande quantidade. Para se ter uma idéia, apenas para compor o tal céu de Van Gogh, foram necessarios 200 kg de massa nacional. Mas o alto custo do projeto leva em conta que a equipe também utiliza material importado, o mesmo usado por Nick Park e Steve Box no longa-metragem “Wallace & Gromit”.

Esse novo aporte veio em forma de R$ 70 mil pela aprovação do projeto no 1° edital do Projeto de Fomento à Produção Audiovisual de Pernambuco, em março de 2008. Mas ainda não é suficiente. Nara salienta que quer lançar a obra em 35mm mas não tem a quantia para fazer o transfer (adaptação do formato digital para a película). “Devemos ter uma reunião amanhã (terça-feira passada) com a produção executiva do filme para falar sobre isso”, disse a reportagem.

TÉCNICA
Nada mais justo que “Dia Estrelado” receba o tratamento de luxo que o cinema exige. Mesmo na fase inicial, e com poucos minutos de filmagens prontas (gravações começaram apenas no mês passado) é fácil ver a excelência na boa qualidade que Nara e equipe empenham no filme.

Empenho que passa por intempéries extra-estúdio, como as variações de tensão elétrica no Bairro do Recife, que influênciam diretamente na iluminação do set, refletindo consequentemente na confecção da fotografia. “A partir das 18h, por exemplo, quando o bairro está mais vazio, temos mais potência, a luz é outra”, explica Nara.

Quem pilota a câmera fotográfica Nikon D-60, de sete megapixel, é Marcelo Lordello (diretor de “N° 27”). Lordello explica que, apesar de digital, ela pode ser operada como uma câmera mecânica, ajustando os controles de forma independente. O formato da fotografia será 2,35 : 1, ou seja, o mesmo formato cinesmascope que embelezou “Muro”, de Tião, que também atua em “Dia Estrelado” como assistente de direção.

Criar ação pelo processo Stop Motion (fotografia quadro a quadro de cada movimento) requer dedicação, concentração e paciência. Para se ter uma idéia, numa sequência em que um dos personagens gira a mão coberta de formigas, durando apenas nove segundos, foram necessárias 119 fotografias. Isso porque Nara decidiu utilizar apenas 12 frames por segundo – repetindo os mesmo 12 frames para chegar aos 24 quadros por segundo do cinema.

“Queria esse imprecissão até para marcar o filme visualmente pela técnica stop-motion. Não queria uma precisão como a que vemos em ‘A Noiva Cadáver’, por exemplo, que até confunde com o efeito 3-D”, compara a diretora, lembrando o longa de Tim Burton. Para fechar os nove segundos da tal sequencia, Nara e equipe trabalharam por 13 horas.

O plano da equipe para encerramento das filmagens é em outubro, mais em função do pouco recurso que possuem para cobrir as despesas, e menos pelas condições ideais de trabalho que gostariam de ter.

Animação será uma ode a perserverança
Sobre o enredo de “Dia Estrelado”, a diretora Nara Normande fala pouco. Adianta apenas que se trata da história de uma pobre família tradicional, formada por um pai, mãe e três filhos, que sobrevivem numa região sofrida, árida. Olhando a principal maquete do filme, de 4 x 4 metros de dimensão, vê-se que a ambiente lembra o sertão nordestino. “É um filme sobre a capacidade de tentar sobreviver quando tudo ao redor está morto”, diz Nara.

Sobre suas influências, além da pintura de Van Gogh, a cineasta ressalta os trabalhos de cineastas da República Tcheca, como Svankmajer e Michaela Pavlátová, além do australiano Adam Elliot, premiado com o Oscar em 2003 pelo curta “Harvie Krumpet”, e que lançou recentemente seu primeiro longa, “Mary & Max”, que abriu o festival de Sundance 2009 e exibiu no último festival de Berlim.

Alem de Nara, Tião e Lordello, a equipe de “Dia Estrelado”conta com Tiago Pelado, Lívia de Melo, na produção executiva, Raphaela Spencer, na direção de produção, Diego Mascaro, como assistente de animação, João Maria, na edição de imagens, e Tomaz Alves de Souza responsável pela trilha sonora.

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