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Críticas

A Festa da Menina Morta

Estreia de Matheus Nachtergaele deixa muita gente satisfeito

Por Luiz Joaquim | 26.06.2009 (sexta-feira)

Curioso perceber os talentosos atores Selton Mello e Matheus Nachtergaele, que começaram a chamar um pouco mais de atenção em suas carreiras no cinema, juntos, há dez anos – lá em “O Auto da Compadecida”, de Guel Arraes – estejam lançando tão próximos um do outro seus longas-metragens como diretor.

Final do ano passado, Selton soltou seu cassavetiano “Feliz Natal” para o público estranhar e sentir. Hoje, entrando em cartaz no Cinema da Fundação, Nachtergaele solta seu “A Festa da Menina Morta” para o publico estranhar e sentir. Isso deve dizer alguma coisa.

Na estreia de Matheus, a sensorialidade fala mais alto, numa comunhão entre a fotografia contrastante de Lula Carvalho, a direção de arte precisa de Renata Pinheiro, e as performances do elenco, com maior destaque para a personificação espetacular (no melhor sentido do termo) de Daniel Oliveira.

Ele é Santinho, órfão de uma mãe suicida e figura que ganhou ares de divino num vilarejo ribeirinho no Amazonas. A devoção da população por ele iniciou há 20 anos, após ter recebido da boca de um cachorro os restos do vestido de uma menina desaparecida. Desde então, celebra-se ali uma liturgia religiosa pela qual Santinho faz revelações ao povo que lhe foram segredadas pela “menina”.

O filme, que exibiu na mostra “Um Certo Olhar”, em Cannes 2008, caminha bem por dois terrenos pouco explorados do contemporâneo cinema nacional. Um formal e um temático. O formal diz respeito à opção de Matheus desenvolver sua história no alto Amazonas, região usualmente vendida ao resto do país apenas pelo que possui de exótico em sua flora.

No filme, o cineasta é preciso em ir e vir na contenção e expansão da dramaturgia, além da boa presença de elenco local misturada a de atores nacionais (Paulo José, Dira Paes, Cássia Kiss, Jackson Antunes). Tudo junto se apresenta como uma comovente e envolvente honestidade do possível perfil daquele povo.

“A Festa…” consegue um belo resultado, apresentando-se bastante fiel ao desenhar as peculiaridades daquele povo (nosso povo). E traz essas informações com dosagem certa de melancolia e humor – com cuidado, sem a costumeira afetação do olho estrangeiro; fazendo dessa uma história de compreensão universal.

O filme, realizado num período de três meses na cidade de Barcelos, Amazônia, aponta com carinho, mas sem paternalismo, para o caboclo e o índio ribeirinho, suas crenças e desejos, sejam estes do corpo ou do espírito. Isso porque no quesito temático, “A Festa…” vai por trilhas humanas que se cruzam de forma orgânica. Entre elas, a da identidade sexual, do incesto por pai e filho, e da fé como tábua de salvação, independente da religião a que ela se preste.

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